Araçatuba
- Terça-feira - 31/01/2006 - 10h06
ENTREVISTA 'O pior da crise já passou' Marcelo Espinoza
Terça-feira - 31/01/2006 - 10h06
Yago Monteiro
Para
Luiz Eduardo Greenhalgh, o caso do assassinato
do prefeito de Santo André, Celso Daniel,
está esclarecido, apesar das dúvidas
do Ministério Público
|
Araçatuba - O deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP)
acredita que o pior da crise política que paralisou
o Congresso Nacional no ano passado e arranhou a imagem
do governo Lula e do PT (Partido dos Trabalhadores) já passou.
Como um dos parlamentares mais experientes do partido,
Greenhalgh afirma que a aprovação de projetos de interesse do governo federal, como a criação
da Super-Receita e do Fundeb (Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica),
juntamente com o fim do pagamento dos salários
extras e a diminuição do recesso parlamentar,
são sinais que o Congresso está voltando à normalidade.
Na última sexta-feira, Greenhalgh esteve na Folha
da Região, depois de acompanhar o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na visita a Castilho. Em
entrevista, além de comentar sobre a crise política,
falou do Estatuto do Desarmamento - do qual foi
autor -, sobre a vitória do "Não" no
referendo sobre o comércio de armas e sobre seu
novo desafio: a análise e discussão da
PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que vai determinar
o número de vereadores nas câmaras municipais
de todo o País.
O
deputado comentou também sobre a polêmica
morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel,
em janeiro de 2002. Greenhalgh, que acompanhou as investigações
da morte do prefeito, garante que Daniel não foi
torturado e acredita que o caso já foi esclarecido,
apesar das dúvidas levantadas, às quais
ele classifica como políticas e eleitoreiras.
Confira a entrevista.
Folha
da Região - Qual a avaliação
que o senhor faz da crise política que assolou
o Congresso e o governo federal no ano passado?
Luiz
Eduardo Greenhalgh - Vivemos e ainda não
saímos de uma crise no Poder Legislativo e na
relação do Legislativo com o Executivo. Essa crise se estabeleceu no fim de 2003, quando
a base do governo no Congresso começou aprovar com muita
rapidez as propostas de reforma tributária, reforma
da Previdência, Estatuto do Desarmamento. Em 2004,
a oposição começa a reagir, porque
nós estávamos com uma vantagem forte em
relação ao número de votos. Tínhamos
uma maioria consolidada na Câmara.
No primeiro episódio que anunciava a crise, eu
fui vítima. A minha candidatura à presidência
da Câmara começou a enfrentar resistência
do baixo clero da Câmara, que tinha apenas como
interesse a liberação de emendas pelo Poder
Executivo. Minha derrota para a presidência da
Câmara já era o prenúncio da crise
anunciada.
Começaram a aparecer as denúncias. Isso
fez com que a oposição se juntasse em torno
delas e colocasse o governo no Legislativo na defensiva.
Vivemos um período de muita agressividade da oposição
contra a base de sustentação do governo
do presidente Lula, uma agressividade tamanha que levou
a oposição a cogitar o impeachment do presidente.
O presidente poderia barrar as investigações,
mas não fez isso: liberou a Polícia Federal
para investigar e aceitou a possibilidade de três
CPIs ao mesmo tempo. O Congresso Nacional virou uma delegacia
de polícia. A CPI da Compra de Votos não
chegou a nenhum resultado. Nós estamos esperando
os resultados da CPI dos Correios e dos Bingos.
O
Congresso está voltando a sua normalidade?
Talvez
hoje seja o melhor momento dos últimos
tempos para o Congresso. Na semana retrasada, votamos
o fim dos salários extras nas convocações
extraordinárias, o que era impensável há alguns
anos. Em toda minha trajetória no Congresso, jamais
ouvi comentar-se sobre o fim desses salários e
jamais pensei que isso fosse acontecer. É o parlamento
cortando seus próprios privilégios.
A redução do recesso parlamentar, a aprovação
do Fundeb, da Super-Receita são provas que o governo
está retomando a normalidade política,
sua estabilidade. O presidente Lula anunciou o novo mínimo,
com redução da tabela do IR (Imposto de
Renda). A economia vai bem, o desemprego caiu, voltamos
a crescer, a inflação está sob controle,
estamos com maior respeito internacional. O mínimo é o
maior dos 25 anos. Voltamos à normalidade, mas
sempre com a pressão da opinião pública.
O
pior da crise já passou?
Com
certeza. Acho que o Congresso está disposto
a cortar na sua própria carne. Devemos ter novas
cassações. Aqueles que se envolveram nessas
denúncias vão, sob pressão da opinião
pública, num ano eleitoral, pagar o pato.
O comportamento do eleitor brasileiro vai mudar depois
dessa crise?
As
CPIs e a crise atraíram para dentro do parlamento
a fiscalização da opinião pública.
O eleitor será extremamente rigoroso no seu juízo
de valores na hora de votar. A questão da ética
na política, os projetos, o comportamento político
serão a preferência do eleitor. O voto de
cabresto, o voto comprado, o voto irregular vão
diminuir. A opulência eleitoral dos candidatos
servirá como um crivo para que eles não
sejam votados.
E o PT, como sai dessa crise?
Sai
machucado. Acho que os fatos significaram para nós
uma demonstração urgente que o partido
deve ser mais coletivo, mais democrático e mais
transparente. A militância do partido, no meio
da crise, foi convocada a opinar e a eleger seus dirigentes.
Ninguém acreditava que a militância do PT
comparecesse em massa para votar, diante de uma crise
em que todos os dias éramos acusados de alguma
coisa. A nova direção do partido tem a
obrigação de obedecer ao pensamento dos
militantes petistas, que querem que os erros do partido
sejam assumidos, retificados, mas ao mesmo tempo pensam
que o PT deve mudar, para que a conduta ética,
uma conquista histórica do partido, não
seja esquecida. Acho que o PT está se recuperando
aos poucos, mas a direção tem que mudar
os rumos do partido porque a militância quer.
Como é a sua atuação na Câmara?
Sou
um deputado de opinião. Não faço
projetos regionais. Considero-me um deputado nacional
e analiso meus projetos do ponto de vista da conjuntura
nacional. Sou vinculado à área de direitos
humanos, na qual me dedico a determinadas prioridades.
Meu envolvimento com determinados temas é que
faz a minha produção legislativa.
Sou autor do Estatuto do Desarmamento, uma lei
extremamente positiva, que deu resultado, ainda que no
referendo tenha
sido derrotada a possibilidade de se proibir o comércio
de armas de fogo. Mas ninguém nega os benefícios
do estatuto: mais de 500 mil armas arrecadadas, redução
de 20% das internações de vítimas
de arma de fogo, redução dos homicídios
e dos crimes praticados com arma, em função
de um controle e fiscalização maior.
Outro assunto diz respeito à erradicação
ao trabalho escravo no País. Fui relator da PEC
que estabelece a perda de terras para a reforma agrária
nas fazendas em que for constatado o trabalho escravo,
algo extremamente positivo, porque há sinais de
diminuição de trabalho escravo em função
dessa lei.
Agora, fui indicado relator de uma PEC que vai determinar
o número de vagas de vereadores por município.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reduziu na última
eleição cerca de 9 mil vereadores em todo
Brasil, sob o argumento que a redução se
fazia necessária para haver a redução
dos gastos dos legislativos municipais, que comprometiam
o orçamento das prefeituras. A população
aderiu a essa tese, aplaudiu a redução
dos vereadores, mas o fenômeno observado foi justamente
o contrário: diminuiu-se o número de vereadores
e aumentaram-se os gastos com as câmaras municipais.
Quero estabelecer uma legislação que seja
compatível com o número de eleitores, para
que seja possível, sem onerar os cofres públicos
municipais, uma maior visibilidade na democracia dos
municípios. O legislativo municipal é muito
importante, pois é a base do processo institucional
brasileiro e acho que o poder local deve ser melhor aferido
sem comprometer as finanças dos municípios.
Vamos nos dedicar a esse assunto.
O
que diz essa PEC? Haverá um aumento no número
de vereadores?
A
PEC visa devolver o número de vereadores que
foi reduzido, com base na constatação que
diminuiu o número de cadeiras, mas os gastos aumentaram. É um
assunto profundo. Gostaria de discutir censo, número
de eleitores, população, processo de migração
de votos, pessoas que residem em um município
e votam em outro, além dos casos de eleitores
que são constrangidos por candidatos a mudar o
domicilio eleitoral em troca de dinheiro. É algo
sério: queremos aumentar a democracia, a participação,
reforçar o legislativo local, não onerar
as prefeituras com o legislativo e fazer uma regra em
que as pessoas sabiam que devem votar no município
onde moram.
Tentarei fazer um trabalho de consenso. O que determina
o número de vereadores: o número de eleitores
ou de habitantes? Como deve ser calculado o orçamento
das câmaras: pelo número de habitantes,
pelo número de vereadores, por porcentagem da
receita do município?
O
resultado do referendo do comércio de armas
deixou o senhor frustrado?
Sim.
A Campanha do Desarmamento pegou o PT, o governo e
o Congresso
em crise. Não tivemos condições
de ganhar o referendo. O lado de lá jogou melhor
que a gente, ao estabelecer na propaganda que nós
queríamos tirar um direito das pessoas. Muita
gente que não gosta e nem tem arma não
concordava em perder esse direito. Verificamos pela contabilidade
da frente do "Não" que a campanha foi
financiada pelas indústrias de armas. Não
queríamos tirar o direito de ninguém, mas
estávamos contrariando os interesses de um setor
da indústria metalúrgica do País.
Hoje caiu a ficha. Quem votou pelo "Não",
percebe que foi induzido a um erro. Mas temos que respeitar
a vontade da população. Essa decisão
não compromete o texto e as normas do Estatuto
do Desarmamento. Seria melhor não fabricar armas,
mas esse é um outro assunto. Quero defender as
outras regras do estatuto, que estão dando resultados
positivos.
O
senhor também concorda que o resultado do referendo
refletiu a preocupação da população
com a violência no País?
Claro.
Um dos temas principais nas eleições
será a questão da segurança pública.
Nesse assunto, está provado que a concepção
de segurança pública atual não deu
certo. Devemos combater a violência de outras formas.
A criação de escolas é o instrumento
mais eficaz que a criação de Febems. Temos
que ter medidas preventivas rápidas, mas precisamos
ter um tempo maior para mudar a estrutura brasileira
na educação, na família, no emprego.
Ninguém nasce criminoso. A pessoa é feita
criminosa num processo de construção da
sociedade. Onde tem emprego e escola, a criminalidade é menor.
Onde não tem, onde se passa fome, a violência
aumenta. A questão da segurança pública
também é um problema social.
O
senhor participou das investigações
da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel.
Até hoje, o caso ainda gera dúvidas. Quando
o prefeito vai poder descansar em paz?
Da
minha parte já está descansando. Eu
não fiz a investigação, eu a acompanhei
e dediquei seis meses da minha vida ao esclarecimento
desse caso. Não tenho dúvidas sobre o caso.
Fiquei satisfeito com o resultado do trabalho que fiz.
Por questões políticas, eleitorais, por
combate ao PT, se explora eleitoralmente esse caso. Em
cada ano eleitoral, o caso ressuscita, gerando dúvidas
na opinião pública, que não conhece
a investigação, mas que conhece as notícias
derivadas das desconfianças do Ministério
Público e da família. E essas desconfianças
chegam até mesmo ao PT. É por isso que
esse caso foi reaberto.
Estou distante dessa nova investigação,
porque não tenho dúvidas do que fiz. Estou
tranqüilo. Espero, sinceramente, que haja uma conclusão
nessa nova investigação.
As pessoas me perguntam "Você não viu
tortura no caso Celso Daniel?" Eu digo, reafirmo
e repito: não vi tortura. Nem eu, nem o deputado
Jamil Murad (PCdoB), que é médico.
Fiquei sabendo que o perito que faleceu, Carlos Delmonte,
teria dito, numa reunião entre delegados, que
o prefeito não foi torturado. Esse fato eu desconhecida,
pois muitas diligências policiais foram feitas
sem minha participação.
Conversei com legistas do IML (Instituto Médico
Legal) e eles me falaram que não houve tortura.
A tortura é provocar dor a uma pessoa para que
ela confesse algo que o torturador quer. Nesse aspecto,
Celso Daniel não foi torturado. Já o perito
disse que ele foi torturado pela quantidade de tiros
que levou. Disse que tinha face de horror, pois morreu
com os olhos abertos, esbugalhados, mas nem todos que
morrem assim foram torturados.
A concepção do perito sobre tortura é diferente
da minha. Trata-se de uma divergência de concepção.
De fato, não vi tortura. A família diz
que ele foi torturado porque estavam atrás de
um dossiê. O dossiê apareceu, é igual
ao que a justiça já havia arquivado.
O caso Celso Daniel é desses casos em que por
mais que você investigue, mesmo que se chegue a
uma conclusão, a dúvida já está lançada
na opinião pública. É igual às
mortes de Getúlio Vargas e Paulo César
Farias. Todo mundo questiona se foi suicídio ou
homicídio. São grandes casos que geram
desconfianças. No caso Celso Daniel, as investigações
foram conclusivas, mas quem delas se separou foi o Ministério
Público. Acho que tem política por trás
dessa atitude.
Quais
são seus planos para as eleições
desse ano?
Reeleger
o Lula. Eu vou cumprir a missão que
o partido me der. Sou deputado, meu trajeto normal é tentar
a reeleição. Mas meu esforço será em
especial para a reeleição do presidente
Lula, cuja administração é extremamente
superior a dos seus antecessores, na minha avaliação.
FICHA
Nome: Luiz Eduardo Greenhalgh
Formação: Advogado
Ocupação: Deputado federal (PT-SP)
Trajetória: Quatro vezes deputado
federal, e vice-prefeito de
São Paulo (1988-1992)
|