TENDÊNCIAS/DEBATES
2005 EM QUESTÃO: REFERENDO
A mensagem das urnas
LUIZ ANTONIO FLEURY O resultado
do referendo de 23 de outubro não
expressou um ânimo violento nem uma motivação
do brasileiro para utilizar armas para fazer justiça
com as próprias mãos. O recado foi claro:
os eleitores disseram "não" à criminalidade
e à inconsistente política de segurança
pública da União e de grande parte dos
Estados. Passados dois meses, é oportuno voltar
ao tema sem a efervescência natural da campanha.
Os debates tiveram temperatura elevada, mas foram de
excelente nível. Hoje, se analisarmos -com isenção
e distância dos palanques e holofotes da propaganda
gratuita- o conteúdo técnico dos discursos
apresentados pelas frentes suprapartidárias do "sim" e
do "não", veremos que apontam para o
mesmo gargalo: a ausência de medidas eficazes de
combate à violência.
Um dos principais argumentos técnicos dos que
defendiam o "sim" se baseava nos gravíssimos
números dos homicídios cometidos por armas
de fogo no Brasil. A grande réplica do "não" foi
demonstrar, com bom senso e coerência, que proibir
a venda de armas a cidadãos de bem não
teria nenhuma influência nessas estatísticas.
Esse foi o foco central do debate. A apresentação
de dados e informações pelas duas frentes
(discussões acaloradas e retórica à parte)
contribuiu para colocar à disposição
das autoridades responsáveis precioso acervo de
subsídios à inadiável tarefa de
implementar eficaz política de segurança.
Claro que a dívida social é caldo de cultura
da criminalidade. Não só por essa razão
mas também pela questão humanitária,
pelos princípios universais de eqüidade e
pela necessidade de promover o desenvolvimento, deve
ser priorizada a inclusão de milhões de
brasileiros nos benefícios da economia e nas prerrogativas
da cidadania.
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Até que se materializem os efeitos das políticas
sociais, a população não pode ficar
exposta à ação nefasta dos bandidos
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Porém, até seus efeitos se materializarem,
a população não pode ficar exposta à ação
nefasta dos bandidos. Continuando a patinar no dilema
entre o social e a segurança, o país não
cuidará nem de uma nem de outra tarefa. Assim, é fundamental
iniciar, já, uma ação nacional de
combate à criminalidade, com articulação
dos governos federal, estaduais e municipais, do Poder
Legislativo, do Judiciário e da sociedade.
O Brasil precisa de um conjunto coordenado de medidas,
abrangendo o aperfeiçoamento da polícia,
do sistema prisional e da própria Justiça,
além de equacionar questões ligadas à origem
da delinqüência.
É
inconcebível a impunidade de pessoas com menos
de 18 anos que praticam homicídios e latrocínios.
Há, no Congresso Nacional, numerosos projetos
de lei relativos ao rebaixamento da maioridade penal. É preciso
consolidá-los numa proposta de emenda constitucional,
instituindo mudança importante para coibir a violência.
A inculpabilidade dos menores é um estímulo
ao crime, pois, além de o praticarem sem preocupação,
ainda assumem a responsabilidade pelos atos -inclusive
os hediondos- dos maiores. Ou seja, estes também
usam uma lei obsoleta para garantir sua impunidade.
Não se trata de negligenciar a situação
das crianças e jovens carentes e/ou abandonados.
Quando governei o Estado de São Paulo, reestruturei
a Febem e todo o conceito de atendimento. Antes de os
encaminhar à instituição, eram observados,
na Secretaria do Menor, cuidados médicos, alimentação,
higiene, entrevistas e contato com as famílias,
buscando uma possível reintegração.
Só nos casos necessários e/ou de real infração
se fazia a transferência à Febem, mas sem
misturar infratores com os demais. O trabalho recebeu,
em 1992, prêmio internacional do Unicef. Ou seja, é preciso
cuidar da infância e adolescência, mas sem "beneficiar" com
a impunidade os jovens violentos.
Também é preciso apressar a criação
do Ministério da Segurança. É primordial
um sistema nacional interligando Polícia Federal,
polícias Militar e Civil e as Guardas Municipais
com uso das modernas tecnologias da informação,
equipamentos e logística.
A instituição "referendo" é um
dos dispositivos eleitorais contidos na Constituição
de 1988. O de 23 de outubro, estabelecido pelo artigo
35 do Estatuto do Desarmamento, foi a primeira convocação
do eleitorado para decidir sobre uma lei, 17 anos após
a promulgação da Carta. O Estado e as autoridades
não podem desperdiçar essa oportunidade
histórica de escutar o apelo dos eleitores e atender
aos seus anseios por um país mais pacífico
e seguro.
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Luiz Antonio Fleury, 56, advogado, deputado federal (PTB-SP),
atuou como vice-presidente da Frente Parlamentar pelo
Direito à Legitima Defesa. Foi governador de
São Paulo (1991-94) e secretário de Segurança
Pública do Estado de São Paulo (governo
Orestes Quércia).
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