Desarmamento e desarmamentistas
Luis Fernando F. Amstaden
Doutor em Sociologia pela UNICAMP
Não é a primeira vez que escrevo sobre
o tema das armas e do desarmamento e, como das primeiras
vezes, devo afirmar antes de mais nada que NÃO
sou defensor do pan armamentismo e nem acredito que todo
indivíduo deva ter e muito menos portar armas.
Muitos devem manter a mais absoluta distância delas,
mas acredito que alguém responsável idôneo
e emocionalmente equilibrado deve ter o direito de possuir
uma arma, se assim o quiser e se estiver disposto a assumir
todos os riscos e responsabilidades decorrentes desta
posse.
Este direito
no qual acredito está sendo, porém,
questionado mais uma vez por projetos de leis que, pretendendo
diminuir a violência urbana, propõem a proibição
da posse e até mesmo da fabricação
de armas no Brasil
Os projetos,
mais ou menos radicais, são Impulsionados
por um grande número de dados sobre violência
no Brasil e defendidos nos meios de comunicação,
de uma forma que, muitas vezes, beira a manipulação
total de idéias, dados e conceitos. Grosso modo,
acredito que podemos classificar as pessoas e entidades
que defendem estes projetos e fazem a sua apologia na
mídia, em três grupos distintos.
0 primeiro
grupo de desarmamentistas é composto
por intelectuais e estudiosos. A maioria da área
do Direito ou colegas meus das Ciências Sociais.
São, em geral, gente inteligente e idealista,
que têm um projeto de sociedade e o defendem. Estes
eu respeito embora não concorde com eles. Acredito
que eles superestimam alguns fatos e subestimam outros.
Superestimam por exemplo, a capacidade da polícia
em oferecer proteção real ao cidadão
principalmente nos dias de hoje, com uma guerra social
em curso. Também superestimam o impacto que a
proibição de armas teria nesta onda de
violência. Por outro lado, creio que subestimam
o poder do contrabando a ousadia e o sadismo de muitos
bandidos e, por último menosprezam a capacidade
dissuasória que a posse de armas pode ter contra
o crime. De fato, muitos crimes foram e são evitados
somente pela exibição das armas e pela
disposição de reação apresentada
pelas possíveis vítimas. Mas os meus colegas
não crêem que isso seja tão real.Não
os culpo afinal, quem consegue evitar um ataque dessa
maneira (como eu mesmo consegui certa vez) não
costuma fazer alarde e muito menos registra ocorrência,
e isso nem seria possível, já que o crime
nem chega a se concretizar nestes casos.
0 segundo
grupo de desarmamentistas é composto
pelos que desconhecem as leis atuais. Este é o
maior grupo, composto por muitos cidadãos de boa
vontade que não têm idéia de quanto
a legislação brasileira já é restritiva.
Desconhecem por exemplo, que o porte de arma é cada
vez mais raro e restrito. Desconhecem também que
a compra de uma arma legal em uma loja autorizada, não
se faz de maneira simples mas é trabalhosa, demorada,
controlada e cara. E o indivíduo que a obtém
legalmente não pode, a não ser com licença
especial, sequer transportar a referida arma (em uma
caixa e demuniciada) de uma propriedade para outra, de
sua casa para sua chácara, por exemplo. Mesmo
sendo o dono legal da arma, precisa requerer uma autorização
para tal transporte, pagar por isso e fazer o referido
transporte num prazo definido. Note se o quanto a lei é restritiva,
portanto. E se já o é assim, o que faz
com que as pessoas acreditem que a proibição
da posse vá alterar a vida de um bandido que porta
uma arma ilegal, de maneira ilegal e com as piores das
intenções? Para os marginais nada vai mudar,
pois eles já estão na ilegalidade e uma
nova lei não alteraria nada. 0 que, talvez, alterasse
a situação, seria um policiamento melhor
mas isso é assunto para outro escrito. 0 que reafirmo é que
a maioria das pessoas ignora o alcance das leis atuais,
e confunde uma lei mais restritiva ainda com eficácia
que nos falta. Em outras palavras, acreditam que os bandidos
anelam armados porque é "fácil" e
que é "fácil" porque a lei "seria" permissiva.
Mas a lei não o é, e a facilidade dos bandidos
deve se ao não cumprimento da lei atual. Se a
legislação em vigor fosse realmente cumprida,
muitos dos problemas estariam resolvidos.
Já o terceiro grupo de desarmamentistas é de
longe o mais problemático. tratam se dos oportunistas
e dos cínicos. Em geral são políticos
ou candidatos a alguma coisa, que vêem na questão
de uma nova lei uma chance de aparecerem na mídia
e ao mesmo tempo criarem uma "cortina de fumaça" em
termos da questão da violência urbana. Alguns,
que eu chamaria de oportunistas, somente "pegam
carona" nos projetos de lei e os defendem com belas
palavras, fazendo assim uma boa figura junto a grande
maioria que ignora a legislação atual e
o fato de que ela não é cumprida por muitas
razões. Estes indivíduos, em geral, aparecem
como "politicamente corretos", mas são
meros oportunistas cujas idéias e práticas
não resistiriam a uma acareação
mais bem feita com a Verdade. Outros, que eu chamaria
de cínicos vêem na defesa de uma nova legislação
uma boa desculpa para a incompetência ou o que é pior,
para um combate frouxo ao crime.
0 combate
verdadeiro acabaria por mexer com muitos poderosos
e muitas estruturas rendosas. Significaria ainda lutar
contra a desigualdade social gritante em nosso país,
e repensar muitas das nossas formas de prevenção
ao crime assistência a criança política
educacional e policiamento. Oras, como é muito
mais difícil assumir todas estas necessidades
(que de resto estão na base da criminalidade e
da violência), cria-se cinicamente um fato político,
uma legislação e um debate que acabam por
ser o foco das atenções e criam uma cortina
de fumaça ao redor das raízes dos problemas.
Parece-me cômodo e simples para os incompetentes
e para os que teriam algo a perder com mudanças
desta monta.
Perante cada
um destes grupos de desarmarnentistas, eu assumiria
uma postura diferente. Com os cultos e bem
intencionados, eu debateria e conversaria de igual para
igual, defendendo meus pontos de vista e respeitando
os deles. Creio que poderíamos chegar a pontos
em comum. Perante os mal informados, eu procuraria esclarecer,
mostrando que as leis já existem e que mais uma
só serviria para os que já a respeitam,
mas não aos bandidos.
Mas perante
os cínicos e oportunistas, eu não
faria nada. Estes eu só desprezo.
|