
Edição
193 - novembro 2003 - Revista Superinteressante
Seria
mais seguro se todos andassem armados
Tadeu
Viapiana
Por que um jovem maior de 18 anos tem direito assegurado para casar, criar
uma empresa e votar para presidente, mas não tem o direito de usar
uma arma para se defender? O que é mais eficaz: proibir o jovem
de portar uma arma ou ensiná-lo a usá-la adequadamente? Sou
francamente adepto da segunda alternativa, aliás, já adotada
em vários países, como Estados Unidos, Suécia e Israel,
que possuem taxas de crimes muito inferiores às nossas. É preciso
inverter a lógica perversa de que os honestos devem ser desarmados,
enquanto há tanto bandido municiado.
As estatísticas mostram que restrições à venda
de armas para civis não reduzem a criminalidade. As leis ou proibições
acabam valendo apenas para os cidadãos honestos, ou seja, as vítimas. À inépcia
das leis de desarmamento soma-se a impotência da polícia para
deter criminosos e o caos no sistema carcerário. “A polícia não
consegue prevenir o crime”, diz o criminologista David Bayley. Quando presos,
os bandidos são encarcerados em verdadeiras fábricas de marginais.
A
Justiça é lenta e morosa: pune pouco
e, quando pune, raramente o bandido cumpre toda a sentença.
Como então podemos imaginar que os cidadãos
honestos entreguem sua segurança exclusivamente
ao Estado?
Devemos mudar radicalmente o enfoque do desarmamento civil. O cidadão
honesto deve ter o direito de portar uma arma de fogo não só por
legítima defesa, mas porque, armado, ele eleva o risco para os bandidos,
criando um efeito positivo inclusive para quem não possui armas. Os
delitos diminuem apenas quando os bandidos percebem que os riscos são
altos, devido à repressão e à certeza de punição.
Isso explica por que, nos Estados americanos onde as armas são liberadas,
os assaltos a residências diminuíram, enquanto na Inglaterra,
onde as armas são proibidas, aumentaram.
As armas de fogo carregam um forte simbolismo de morte porque na mídia
aparecem sempre associadas a crimes e tragédias. Raramente lemos sobre
crimes que foram evitados por cidadãos armados. O aspecto ofensivo prepondera
sobre o defensivo no noticiário. No entanto, quando pensamos em políticas
de segurança pública, a razão deve substituir a emoção
e os mitos. E há muitos mitos propagados por aí. Vejamos os mais
citados na mídia: a) a maioria dos homicídios ocorrem entre cidadãos
de bem e por “motivos fúteis”. Mas saiba que, conforme pesquisa apresentada
em 2003 por Bruno Manso com base em 876 inquéritos, 76% dos homicídios
foram “planejados” e “premeditados” e envolvem “acerto de contas entre bandidos”;
b) as pessoas armadas têm mais chance de serem mortas, se forem assaltadas.
Essa noção, que surgiu de um estudo com apenas 444 casos de latrocínio,
não leva em conta os assaltos que foram evitados por vítimas
armadas; c) finalmente, diz-se que ocorrem, por ano, 14 mil mortes por acidentes
com armas de fogo. De onde surgiu essa informação ninguém
sabe.
O que sabemos é que nos Estados Unidos, onde existem muito mais armas
que aqui (230 milhões contra 5 milhões), ocorrem mais acidentes
fatais com queimaduras, bicicletas, atropelamentos, afogamentos do que com
armas de fogo. É claro que acidentes ocorrem no Brasil, mas uma lei
de controle de armas irá evitá-los? Não. O que evita acidentes é obrigar
os proprietários a guardar a arma em lugar seguro e punir severamente
os relapsos.
Ao invés de restringir o acesso às armas, o Estado deve estimular
os cidadãos a aprender a manejá-las corretamente. Ao invés
de proibir, ensinar o uso adequado e responsável. Assim, o cidadão
será um parceiro do Estado na geração de uma comunidade
mais segura.
Para
trilhar esse caminho, precisamos superar outro preconceito:
o temor de que se os jovens brasileiros maiores de
18 anos tiverem acesso às armas de fogo, teremos
uma carnificina. A maior incidência de homicídios
entre jovens não ocorre porque eles possuem
mais armas e sim porque estão mais envolvidos
com drogas e crimes originados pelo tráfico.
Cabe aqui a pergunta: quantas vidas poderiam ser poupadas
se os jovens tivessem o direito de possuir uma arma
e, claro, soubessem usá-la para se defender?
Na minha opinião, devem existir única e exclusivamente quatro
condições para o acesso às armas: 1) ser maior de 18 anos,
2) não ter antecedentes criminais, 3) passar por um exame de sanidade
mental e 4) realizar o curso teórico e prático. Para criar um
ambiente de maior segurança, o porte deve valer para todos os locais
públicos, exceto onde houver segurança própria e eficiente.
Nos demais, onde faltam esses recursos, o cidadão deve ter o direito
de autoproteção.
Tadeu
Viapiana é economista, consultor
da Forjas Taurus, de Porto Alegre, e autor dos livros
Brasil Acossado pelo Crime e Democídio, Democracia
e Criminalidade no Brasil.
E-mail: tadeu@centro.com.br
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