Desarmamento
utópico pode ser
tiro no pé
José Moacir
Favetti (*)
A criminalidade
e a violência crescentes são
hoje uma das maiores preocupações da sociedade
brasileira, ao lado do desemprego e da crise social.
A melhora da segurança pública para a construção
de um ambiente de paz e tranqüilidade é um
anseio de todos.
A divergência é que alguns acreditam que
o desarmamento das pessoas comuns pode produzir algum
efeito, enquanto outros – entre os quais nos incluímos
– entendem que o crime somente será vencido com
a modernização e a ampliação
das polícias, a reforma do Judiciário e
a busca de melhores condições de vida para
os cidadãos hoje excluídos do desenvolvimento
econômico e social.
O Estatuto
do Desarmamento prevê um referendo
no qual a população será chamada
a opinar sobre a proibição ou não
da venda de armas no País. Pela campanha de demonização
do objeto que está sendo promovida por ONGs, governo
e mídia, não é difícil adivinhar
qual será o resultado.
Retirar o
porte e o direito de compra de armas de pessoas de
bem que estejam preparadas é, em última
análise, retirar o direito à legítima
defesa em casos extremos, o que é constitucionalmente
garantido. Oras, se a polícia não pode
garantir a segurança de todos os cidadãos
o tempo todo, como exercer a legítima defesa contra
criminosos armados?
A lei, como
os próprios autores reconhecem, não
visa a promover o desarmamento dos criminosos. O principal
argumento dos próprios desarmamentistas é que
a simples redução das armas poderia ter
impacto sobre a taxa de homicídios por reduzir
a disponibilidade de instrumentos para o crime - como
se os marginais fossem se deter pela simples supressão
de armas legais no País.
Infelizmente,
os dados não corroboram esse raciocínio.
A evolução histórica da taxa de
homicídios e do número de armas vendidas
legalmente para civis no Brasil entre os anos de 1979
e 2000 mostra que enquanto número de armas vendidas
caiu de 54.445 em 1980 para 48.939 em 1990 e 23.291 em
2000, os homicídios saltaram de 9,4 por 100 mil
habitantes em 1979 para 22 em 1990 e 26 em 2000. Em números
absolutos, os homicídios aumentaram de 10 mil
para 40 mil por ano.
A experiência internacional traz dados similares.
Os números mostram que nos EUA a criminalidade
tem caído, apesar do aumento da venda e porte
de armas. O país é, provavelmente, o país
onde existe o maior volume de armas na mão dos
cidadãos – estoque estimado de 200 milhões,
com crescimento de 3 milhões de armas por ano
– mas desde 1993 todas as taxas de crime estão
em queda.
Depois de
atingir o pico em 1980, quando chegou a 10,2 casos
por 100 mil habitantes, e manter-se nesse patamar
durante toda a década, nos anos 90 a taxa de homicídios
apresentou uma trajetória declinante até alcançar,
em 2000, 5,6 casos por 100 mil, o mesmo patamar do início
dos anos 60. Nesse cenário, a comunidade integra-se
perfeitamente ao trabalho policial, complementando-o
e ajudando na prevenção de crimes.
De outro lado,
temos a Inglaterra, um dos países
mais lembrados pelos defensores do desarmamento como
exemplo de sucesso dessa política. Para analisar
com isenção o resultado do desarmamento
na Inglaterra é importante salientar que, historicamente,
a taxa de homicídios é baixa nesse país
– uma das menores do mundo, em torno de 1 ou 1,5 caso
por 100 mil habitantes. É uma premissa importante
para não atribuir tal resultado ao desarmamento.
De outro lado,
outros tipos de crimes, como assaltos e roubos, vêm aumentando de forma dramática.
A historiadora de Harvard, Joyce Malcolmm, no seu livro
Guns and Violence, relata que nos EUA – onde em mais
de 50% das casas há armas, apenas 13% dos ladrões
agem com os moradores em casa. Em compensação,
na Inglaterra, com os cidadãos desarmados, 50%
dos ladrões entram nas casas enquanto os moradores
estão dentro.
Finalmente,
há os dados de criminalidade comparativos
entre o biênio 1997-98 e 2001-02. No país
do desarmamento civil, após a medida, os crimes
com arma de fogo cresceram de exatos 4.903 para 9.974.
Ou seja, duplicaram.
De posse desses
dados, fica claro que não é possível
afirmar que a simples redução da venda
de armas legais é importante para reduzir os homicídios.
Claro que
precisa haver um controle, mas a regulamentação
da compra e do porte já existia no Brasil na legislação
anterior ao desarmamento. A percepção de
que, antes do estatuto, qualquer pessoa no País
podia comprar uma arma de fogo está longe de ser
verdadeira. Desde 1997 vigorava a Lei nº 9.437,
complementada pelo Decreto nº 2.222, onde estavam
descritas, em detalhes, as regras a serem obedecidas
para a compra e porte de armas de fogo. Ou seja: o acesso
do cidadão comum às armas de fogo leves
já era restrito.
A discussão em torno da segurança tem
muitos outros aspectos, de cunho sócio-econômico
e cultural a serem considerados: o Estatuto do Desarmamento,
em vez de se tratar as causas reais da violência
– integrando a comunidade, gerando empregos, fazendo
redistribuição da renda, proporcionando
ofertas adequadas de saúde, educação
– criminaliza o instrumento.
O momento é oportuno para chamar a sociedade
a refletir acerca do direito do cidadão se defender,
mas sem fantasias. Nos moldes em que está sendo
feito, o desarmamento é a garantia para os marginais
de que só eles estarão armados contra uma
sociedade indefesa.
*José Moacir Favetti, mestre em Direito do Estado
pela Universidade Federal de Santa Catarina, foi superintendente
Regional da Polícia Federal, secretário
de Segurança Pública do estado do Paraná e
consultor da ONU para Armas e Munições. |