EDITORIAIS - Notas e Informações, Domngo, 20 de novembro de 2005

Salvaram-se todos

Há dias, numa reunião preparatóriada Cúpula Mundialda Sociedade
da Informação, quando a União Européia decidiu propor a criação de uma nova organização internacional para administrar a internet, os negociadores europeus se surpreenderam com o entusiasmo
com que a proposta foi recebida pelos países que queriam o fim do controle da rede pela Icann (Corporaçãoda Internet para Designação de Nomes e Números) – uma organização privada, sem fins ucrativos, mas vinculada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos. A União Européia pretendia apenas promover uma suave e lenta transição do sistema de governança da internet, mas não foi assim que sua proposta foi compreendida. Países como o Brasil, na má companhia do Irã, Líbia, China e Arábia Saudita, saudaram a guinada européia como uma manobra que isolava os Estados Unidos e abreviava o caminho para a passagem dos controles da internet para uma organização intergovernamental que reforçaria
“o multilateralismo, a transparência e a democracia”.

Ocurioso é que os parceiros do Brasil nessa empreitada não são países emocráticos nem permitem o amplo uso da internet. Em alguns deles, os internautas, quando descobertos, vão para a cadeia pelo crime de trocar idéias com outras pessoas, sem passar pela rígida censura governamental. Sendo a internet um sistema que permite a instantânea comunicação entre pessoas, sem qualquer interferência de governos ou de burocracias, logo se vê que o projeto de criaçãode controles estatais sobre a rede nada tinha a ver com o aprimoramento dos regimes democráticos. Antes, procurava-
se obter o controle político dainternet, através dapronta identificação
de seus usuários e da censura dos conteúdos.

Não deixa de ser estranho, aliás, que aONUtenha realizado a Cúpula da Sociedade da Informação na Tunísia, país onde a liberdade de informação não existe e os direitos humanos não são respeitados.Navéspera da abertura da Cúpula, um jornalista francês foi espancado e esfaqueado em Túnis, depoisque o LaLibération blicouumareportagem sobre direitos humanos na Tunísia. Alémdisso, militantes de direitoshumanos denunciaram
o fechamento da associação dos advogados e ataques das forças de segurança contra jornalistas, advogados e ativistas.

Esta semana, durante a Cúpula da Sociedade da Informação, convocada pela ONU, os piores temores de que a internet fosse transformada em um instrumento de supressão das liberdades foram emporariamente superados. Pelos próximos cinco anos, a
administração do Sistema de Nomes de Domínios, essencial para o
tráfego da internet, continuará a cargo da Icann. E para atender, ainda que parcialmente, aos países que se queixavam da hegemonia norteamericana sobre a internet, será criadoum fórum internacional para debater os temas relacionados com a governança da rede. Esse fórum se reunirá pela primeira vez no próximo ano, naGrécia, e não terámandato para supervisionar a Icann, como queriam alguns países.

Não prosperaram, assim, as tentativas de transferir para a União Internacional de Telecomunicações (UTI), um órgão das Nações Unidas, a governança da internet. Estados Unidos, Canadá e Austrália temiam que a internacionalização do sistema criasse entraves burocráticos às inovações que caracterizam a internet. Afinal, o êxito e o crescimento da rede, que hoje conta com mais de 870 milhões de usuários, são atribuídos à falta de controle por
governos e à ausência de burocracias.

Mas todas as partes proclamam vitória – e com razão.

Os Estados Unidos mantiveram para a Icann o controle do Sistema de Nomes de Domínios, afastando, pelo menos temporariamente, uma ingerência estatal que seria particularmente nociva nos países de regime autoritário – justamente aqueles que mais se empenhavam em estatizar a internet. O secretariado da ONU estabeleceu uma linha de prudência e bom senso: “Que fique claro: a ONU não quer contrlar ou policiar a internet. O gerenciamento da internet no dia-a-dia tem que ser deixado a instituições técnicas”, afirmou o secretário- geral Kofi Annan.Eos países que queriam – e não conseguiram – derrubar a “hegemonia” dosEUAabriram caminho,coma criação do fórum internacional, para a regulamentação de temas, como os crimes cibernéticos e a proliferação dos “spams”, o que só pode ser
feito no nível estatal.