São Paulo, sábado, 05 de
julho de 2003
TENDÊNCIAS/DEBATES
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0507200310.htm
Deve-se
proibir a venda de armas no país?
NÃO
Os danos da proibição
DENISE FROSSARD
O bom senso,
sob o fogo cerrado da proposta de proibição
do comércio legal de armas, pode ser mais uma
das vítimas da ingenuidade ou violência
branca da demagogia.
O que se pretende com a proibição?
Reduzir a criminalidade é a resposta, tão
imediata quanto impensada, que nos vem à cabeça.
Mas é uma resposta equivocada. A proibição
do comércio legal de armas não fará recuar
nem um milímetro a ousadia do crime -organizado-,
não baixará a taxa de delinquência
das ruas nem mesmo trará o conforto de diminuir
a sensação de insegurança que, hoje,
atinge em graus variados a sociedade brasileira. A proibição
do comércio legal de armas, como o simples aumento
de penas, a mudança do fardamento da polícia,
tantas outras medidas -anunciadas ou já implementadas-,
tem sobre a criminalidade o mesmo efeito de um arco-íris
no céu: uma ilusão bonita aos nossos olhos.
No caso da proibição do comércio
de armas, a falsa sensação produzirá,
no entanto, um efeito danoso: retirará do Estado
a possibilidade de controle -ainda que frágil,
como agora- e dificultará ainda mais a investigação
de crimes praticados com esse recurso. Proibida a comercialização,
o Estado não terá mais instrumentos para
o controle da circulação de armas. Como
a sensação de insegurança persistirá,
porque as verdadeiras causas da criminalidade (corrupção
e impunidade) não são resolvidas em razão
das deficiências do Estado, o mercado inteiro de
armas de fogo irá para a clandestinidade.
As provas desse argumento são muitas. Um delas
está no documento "Fiscalização
de Armas de Fogo e Produtos Correlatos", publicado
pela imprensa, elaborado pelo coronel de infantaria Diógenes
Dantas Filho, que, em conjunto com o Ministério
Público Militar Federal, articulou uma ação
policial militar para apreensão de armas clandestinas
no Rio. O trabalho mapeia as rotas utilizadas pelo tráfico
de armas e confirma a existência, em circulação,
no Brasil, de 20 milhões de armamentos sem registro,
em contraposição a 2 milhões de
armas registradas.
É
uma absurda ingenuidade de uns -e razões suspeitas
de outros- imaginar que, diante da proibição
do comércio legal, ninguém mais comprará ou
deixará de portar armas. O mercado não
vai estancar simplesmente porque o Estado proibiu a comercialização.
Historicamente não tem sido assim. Quem não
se lembra da Lei Seca, nos EUA, ou da reserva de mercado
de informática, no Brasil? Nos dois casos, e em
muitos outros que a experiência de proibições
comerciais mundo afora construiu, cresceu o mercado clandestino
e o contrabando. Esse é o terreno fértil
para aumentar a corrupção. A medida certa
está no controle da fabricação e
do porte de armas de fogo, e não na proibição
da comercialização.
Nesse ponto, é bom retirar do debate a idéia
equivocada de que os que são contra a mera proibição
estão no pólo oposto da argumentação,
propondo "às armas, cidadãos".
Não é assim. Acredito na eficiência
da regulamentação e no controle rigoroso
da fabricação, do porte e da importação
de armas. Acredito na responsabilização
direta e penal de todo aquele que, mesmo não portando
armas, estimule o porte ilegal. Venho defendendo publicamente
esses pontos de vista desde o começo dos anos
90.
O caminho do controle foi tomado em fevereiro de 1997,
com a edição da lei 9.437, que estabeleceu
condições para o registro e o porte de
armas de fogo e, mais relevante, configurou como crime
possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar,
expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder -mesmo que gratuitamente-, emprestar,
remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de
fogo, de uso permitido, sem a autorização
e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
Até 1997, o porte ilegal de armas era uma simples
contravenção penal. A partir de então,
com a lei 9.437, passou a ser crime, com pena de prisão.
Recentemente o Senado melhorou ainda mais a lei, aprovando
um projeto que, entre outras medidas, torna o porte ilegal
de armas um crime inafiançável. A proposta
do Senado será submetida à Câmara,
onde terá o meu apoio.
Apesar de não produzir resultados efetivos para
o esforço de redução da criminalidade,
que, comprovadamente, tem causas mais graves, a proposta
para proibição do comércio legal
de armas acabará sendo apresentada à população
como um milagroso remédio. E nisto está o
segundo, e talvez mais importante, equívoco. Sendo
aprovada a proposta e em nada resultando no que concerne à necessidade
de redução da criminalidade, veremos aumentar
a incredulidade da população com as medidas
que venham do Estado. Com isso, continuaremos perdendo
um importante aliado na luta contra o crime: a confiança
do cidadão no Estado.
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Denise
Frossard, juíza de direito aposentada,
fundadora da Transparência Brasil, é deputada
federal pelo PSDB-RJ
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