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Renovação do registro de
armas de fogo
Adilson Abreu Dallari*
I
– Estabilidade das relações jurídicas,
ou segurança jurídica
O Ministério da Justiça publicou, nos principais
jornais do país, anúncio de meia página
concitando os cidadãos detentores de armas de fogo
legalmente adquiridas e devidamente registradas (nos termos
da legislação vigente na época da
aquisição) a renovar ou refazer o registro
dessas mesmas armas, sob pena de, por omissão, enquadrar-se
no crime previsto no art. 12 da Lei nº 10.826 (clique
aqui), de 22/12/03, punível com a pena de detenção,
de um a três anos, e multa.
Trata-se
do mais abominável terrorismo oficial,
destinado a fazer com que os cidadãos, por medo,
se submetam à violação de seus direitos
constitucionalmente assegurados. A mencionada lei, conhecida
como lei do desarmamento, contém um formidável
repositório de inconstitucionalidades, mas o que
será objeto de exame neste estudo é, especificamente,
a questão da renovação do registro
de arma de fogo.
Essa
matéria tem como pano de fundo a questão
da estabilidade das relações jurídicas
ou da segurança jurídica. O direito tem como
primeiro princípio, que justifica toda a ordem jurídica,
dar segurança, tranqüilidade, previsibilidade às
ações estatais.
Todo
o arcabouço jurídico é delineado
em função e tendo em vista a segurança
jurídica, a estabilidade das relações
jurídicas.
A desconstituição de situações
jurídicas consolidadas somente pode ser admitida
excepcionalmente. Além disso, no caso em exame,
pretende-se subtrair direitos legalmente adquiridos por
seus titulares com base em normas cuja constitucionalidade é,
no mínimo, duvidosa, por estarem “sub judice”, conforme
se abordará logo adiante.
Ou
seja, em termos estritamente jurídicos, o governo
federal pretende subverter totalmente aquele princípio
primeiro e elementar, o principio da estabilidade das relações
jurídicas, instaurando a insegurança jurídica,
valendo-se, para isso, de uma ameaça, do constrangimento,
da certeza de que o cidadão comum tem medo das instituições.
Cabe
esclarecer que, nos termos da lei do desarmamento, não apenas as antigas licenças (regularmente
expedidas com base na lei então vigente) terão
que ser renovadas, mas, além disso, mesmo as novas
licenças, expedidas com base na lei agora vigente,
passarão a ter vigência temporária,
de três anos, devendo, portanto, ser periodicamente
renovadas.
II
– A questão
especificamente em exame
Neste
passo, convém esclarecer que não se
trata, aqui, de discutir a periodicidade da autorização
para o porte de arma. Um a coisa é portar uma arma,
trazê-la consigo, andar com ela na rua. Outra coisa
muito distinta é a licença para adquirir
uma arma, para mantê-la em seu domicílio.
O registro de arma de fogo não autoriza o porte
da mesma arma.
Para
que o conteúdo jurídico do registro
da arma seja perfeitamente entendido, é preciso
explicar a sistemática de aquisição
de uma arma de fogo. Quando alguém vai adquirir
uma arma, precisa ter primeiro uma autorização
de compra. Essa autorização é precaríssima.
Alguém querendo adquirir uma arma tem de se dirigir
a uma loja especializada, que lhe fornecerá o número
da arma escolhida, identificando-a. Sem essa autorização
precária a loja não pode vender arma alguma.
Essa autorização precária serve apenas
para que a loja venda a arma, emita a nota fiscal, mas
não a entregue ao adquirente. Uma vez emitida a
nota fiscal, o adquirente vai, então, solicitar
o registro da arma (adquirida, mas não entregue,
nem recebida) à autoridade policial competente.
Sem aquela autorização precária ,
ele nem pode pedir a licença. Ele também
não pode pedir licença para simplesmente
comprar uma arma qualquer, indeterminada. Ele só pode
pedir licença para comprar uma específica
e determinada arma. Essa autorização precária
de compra não serve para outra coisa a não
ser identificar a arma que se pretende adquirir. De posse
dessa autorização de compra é que
se solicita o registro da arma.
Convém deixar bem claro que ninguém sai
de uma loja de armas com uma arma se não estiver
registrada. Nos termos do direito civil, não existe
a tradição, a transferência do domínio
da arma para o particular adquirente, sem que aquela específica
e determinada arma esteja previamente registrada. O registro é condição
de aquisição da arma. O art. 5º da Lei
nº 10.826, de 22/12/03, deixa isso bem claro. Ele
diz que o registro é condição de aquisição
e permite manter a arma em domicílio.
Essa
parte final, “manter a arma de fogo exclusivamente no
interior de
sua residência ou domicílio” é acaciana, é o
próprio óbvio. Se alguém adquire uma
arma de fogo, vai ter que mantê-la exatamente em
seu domicílio, que é a sede do exercício
dos seus direitos. Não existe possibilidade lógica
de que alguém adquira uma arma para mantê-la
no éter. Quem compra uma arma de fogo tem o direito
elementar de mantê-la em seu domicílio. Na
verdade, o que o art. 5º está dizendo é que
a arma não pode sair do domicílio. Manter
a arma em domicílio é uma decorrência
lógica, jurídica e natural da aquisição.
A questão jurídica está exatamente
na aquisição, na obtenção do
direito de propriedade da arma. Quando o adquirente obtém
o registro, ele preenche uma condição de
aquisição da arma. Sem uma licença
da autoridade competente, ninguém pode adquirir
arma de fogo alguma. Essa licença, expedida sob
a forma ou com a denominação de registro,
habilita o interessado a adquirir uma específica
e determinada arma de fogo.
O que
se pretende demonstrar é o absurdo, do ponto
de vista jurídico, da temporariedade ou da periodicidade
de tal registro, pois o ato de aquisição
ocorre apenas uma única vez e a manutenção
da arma na posse do adquirente, em seu domicílio, é mera
decorrência da aquisição lícita.
Não tem cabimento, é um disparate, não
faz sentido se falar em renovação da licença
para aquisição da arma.
A melhor
doutrina é meridianamente clara ao fazer
a distinção entre licença e autorização.
Merece transcrição o ensinamento do consagrado
HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro.
29a. Edição. São Paulo: Malheiros,
2004. pp. 185-186):
“Licença é o ato administrativo vinculado
e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando
que o interessado atendeu a todas as exigências legais,
faculta-lhe o desempenho de atividades ou a realização
de fatos materiais antes vedados ao particular, como, p.
ex., o exercício de uma profissão, a construção
de um edifício em terreno próprio. A licença
resulta de um direito subjetivo do interessado, razão
pela qual a Administração não pode
negá-la quando o requerente satisfaz todos os requisitos
legais para sua obtenção, e, uma vez expedida,
traz presunção de definitividade”
“Autorização é o ato administrativo
discricionário e precário pelo qual o Poder
Público torna possível ao pretendente a realização
de certa atividade, serviço ou utilização
de determinados bens particulares ou públicos, de
seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência
prévia da Administração, tais como
o uso especial de bem público, o porte de arma,
o trânsito por determinados locais etc”
(Hely
Lopes Meirelles Direito Administrativo Brasileiro. 29a.
Edição. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 186).
Outro
consagradíssimo luminar do Direito Administrativo,
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito
Administrativo. 21a. Edição. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 424), mostra que a licença para
aquisição da arma, na verdade, se extingue
no momento em que é utilizada para essa específica
finalidade. O registro deve ser mantido apenas para comprovar
a licitude da aquisição. Ao discorrer sobre
as formas de extinção dos atos jurídicos,
esse eminente autor, afirma que um ato jurídico
eficaz extingue-se pelo cumprimento de seus efeitos, o
que pode suceder pelas seguintes razões:
a)
“esgotamento do conteúdo jurídico. É o
que sucede com a fluência de seus efeitos ao longo
do prazo previsto para ocorrerem. Por exemplo: o gozo de
férias de um funcionário;
b)
execução material. Tem lugar quando
o ato se preordena a obter uma providência desta
ordem e ela é cumprida. Por exemplo: a ordem, executada,
de demolição de uma casa”.
Voltando
ao texto, acima transcrito, do Prof. Hely Lopes Meirelles,
convém destacar que ele faz uma distinção
muito grande entre licença e autorização.
Segundo ele, “licença é um ato administrativo
vinculado e definitivo”. E completa: “Uma vez expedida
a licença, ela traz a presunção de
definitividade”. Por exemplo, quando alguém quer
construir uma casa, precisa de uma licença para
edificar. Uma vez edificada a casa, não há mais
o que fazer. Da mesma forma, sendo o registro da arma uma
licença para que alguém adquira uma arma,
não tem sentido que seja temporária. A aquisição é definitiva.
Não se pode confundir a licença para comprar
a arma com a autorização do porte de arma.
O Prof. Hely Lopes Meirelles destaca bem que “a autorização é ato
administrativo discricionário e precário”
e dá como exemplo exatamente o porte de arma. Esses
dois diferentes atos jurídicos não podem
ser confundidos. A licença é para adquirir.
Quem tiver uma licença, pode adquirir uma específica
e determinada arma de fogo, que passa a integrar definitivamente
seu patrimônio; quem não tiver a licença
, não pode adquirir arma de fogo alguma.
Quem
adquire uma arma de fogo não pode porta-la,
não pode andar com ela; pode apenas mantê-la
em seu domicílio. Para sair com ela, precisa obter
outro documento: a autorização para porte
de arma, que é temporária. É uma autorização,
um ato discricionário, precário, essencialmente
temporário.
Registro
e porte são coisas completamente diferentes,
e não existe nisso novidade alguma, porque essa
distinção já é feita pela legislação
de controle de uso de Armas de fogo desde 1930. É algo
absolutamente sedimentado no direito brasileiro. A Lei
nº 10.826 é que contém uma novidade
absurda, do ponto de vista jurídico.
Também merece ser repetida a lição
de Celso Antônio Bandeira de Mello quanto ao exaurimento
da licença. A licença tem como finalidade
possibilitar a aquisição da arma. Uma vez
adquirida a arma, a licença se extingue. Não
tem sentido algum falar em renovação da licença,
porque ela morreu. Se a licença serve para possibilitar
a aquisição de uma específica e determinada
arma, no momento em que a aquisição se consuma
esgota-se o seu conteúdo jurídico. Quem,
com base na licença, adquiriu legalmente uma arma
de fogo, tem o direito de mantê-la consigo, pois
isso é inerente ao direito de propriedade; não é “efeito”
do registro.
Não se pode confundir essa licença, para
aquisição de arma de fogo, com, por exemplo,
licenciamento de automóvel. O licenciamento de veículo é de
uso e não de propriedade. Não há necessidade
de licença para comprar o carro. Um menor de idade
pode ser proprietário de um carro. Uma vez comprado
o carro, para circular com ele é que se torna necessário
ter uma licença. Sem essa licença, o veículo
não pode circular, mas a propriedade é do
adquirente.
No
caso da arma, a licença confere a alguém
o direito de ser proprietário de uma arma; o porte,
por sua vez (e que somente pode ser concedido se a arma
houver sido legalmente adquirida, tiver sido devidamente
registrada) permite que o adquirente saia com a arma. Quem
tiver a licença, e não tiver o porte, tem
apenas o direito de ficar com a arma em seu domicílio.
O que
não tem qualquer sentido é desconstituir
a licença, pelo decurso de tempo. Cabe perguntar:
quem foi a uma loja e comprou legalmente uma determinada
arma, passados os três anos, o que deve fazer? “Descomprar”
a arma ? O Direito não briga com o bom senso. Quando
a lei agride o bom senso, é porque lhe foi dada
uma interpretação equivocada ou tem alguma
inconsistência ou incompatibilidade com a ordem jurídica.
No caso em exame, há uma pluralidade de inconstitucionalidades.
III – Inconstitucionalidades
A Constituição Federal (clique aqui), em
seu art. 1º, inciso III, afirma que o direito à dignidade
da pessoa humana é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil. Não se trata de um direito
qualquer, entre tantos outros, mas, sim, de um direito
fundamental, que compreende a manutenção
da integridade física, psíquica e social.
Não é difícil exemplificar uma forma
de violação desse direito fundamental. .
Quem já foi vítima de assalto, de seqüestro
ou de estupro sabe o que é o vexame, sabe o que é o
constrangimento, sabe o que é a destruição
moral da pessoa. Quem não foi vítima, certamente
já leu sobre isso e sabe que o estresse provocado
por tal violência se equipara ao que é causado
pela guerra.
Não se pretende, aqui, utilizar um argumento “ad
terrorem”, mas citar apenas um exemplo de um lastimável
tipo de ocorrência bastante freqüente, qual
seja o assalto seguido de estupro de um membro da família
diante dos demais. Como fica essa família? Não é possível
entender que a Constituição determine que
os cidadãos devam quedar-se inermes diante de um
risco dessa natureza.
Se
a Constituição afirma, garante, assegura
o direito à dignidade, não pode a Administração
Pública privar o cidadão de meios para assegurar
a autodefesa, a proteção contra situações
de risco ou de concreta violação de sua dignidade
pessoal. Se a posse de uma arma em seu domicílio é suficiente
ou eficiente para isso, essa é uma opção
do titular do direito; não do Estado.
Talvez
a relevância do direito à auto defesa
fique mais clara se cotejada com a hipótese contrária.
Basta imaginar, apenas “ad argumentandum”, a possibilidade
da proibição absoluta da posse de armas de
fogo em domicílio. Nessa hipótese, os assaltantes
e seqüestradores teriam a garantia absoluta de que
não correriam qualquer risco ao invadir uma residência.
Ou seja, vedar ao particular o exercício da autodefesa,
além de agredir a constituição é também
um incentivo ao crime
Cabe
ao cidadão – não ao Estado – decidir
se quer ou não ter uma arma de fogo em seu domicílio.
A liberdade de escolha é assegurada pelo “caput”
do art 5º da Constituição Federal, artigo
esse que abre o leque de direitos e garantias diretamente
conferidos ao cidadão e que fazem parte do chamado
cerne fixo da Constituição.
Diversos
desses direito e garantias, elencados no art. 5º, estão sendo violados pela exigência
de renovação da licença para aquisição
de arma de fogo. Por se tratar de algo realmente fundamental,
por ser uma violação da ordem jurídica
muito mais grave do que a transgressão de uma lei
isolada ou de algum regulamento, é importante que
tais ofensas à Constituição sejam
examinadas em detalhe. Para isso, de imediato, convém
transcrever o “caput” do art. 5º , depois, ao longo
do texto, os específicos incisos vulnerados.
“Art.
5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes (...)”:
O art.
5º assegura a inviolabilidade do direito à vida,
o que compreende, também, a incolumidade pessoal,
física, psíquica e moral. Ao garantir a vida
e a incolumidade pessoal a Constituição confere
ao cidadão o direito de se defender, que não
afeta nem se contrapõe ao direito de contar com
a segurança pública. De resto, nos termos
do art. 144, o cidadão tem o dever de colaborar
com a segurança pública e uma forma de cumprir
essa obrigação é zelar pela própria
defesa.
Mas
o direito e dever de zelar pela própria defesa
requer a disponibilidade de meios eficientes para isso. É certo,
portanto, que a Constituição não autoriza
o Poder Público a privar o cidadão de instrumentos
de autodefesa, ou, de alguma forma, de maneira indireta,
dificultar ou impedir que alguém cuide de sua defesa
pessoal, de sua família e de seus bens.
Esse
direito à autodefesa é assegurado igualmente
a todos os cidadão, mas a exigência de renovação
do registro ofende também o direito à igualdade,
também expressamente previsto no “caput” do art.
5º da CF.
Com
efeito, a obtenção do registro já é onerosa,
mas a exigência de renovação periódica
desse mesmo registro multiplica os custos dessa licença,
criando uma inaceitável (e inconstitucional) diferença
entre pobres e ricos. Convém esclarecer que para
a renovação do registro o interessado deve
pagar as taxas correspondentes, obter um sem número
de certidões, apresentar um laudo profissional atestando
sua aptidão psicológica para ter uma arma
e, ainda, um documento oficial comprobatório de
sua aptidão para o uso de arma de fogo. Tudo isso
custa muito caro. Fazendo uso do deplorável jargão
político atualmente em moda: as elites podem ter
arma, o cidadão comum não pode.
“X
- são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação";
A inviolabilidade
da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas significa, literalmente, que isso
tudo não pode ser violado, ofendido ou afetado.
Dado que os organismos da segurança pública
não podem materialmente evitar universalmente tais
violações, em toda e qualquer residência, é irrecusável
a impossibilidade de impedir que o próprio morador
se defenda, com meios próprios e suficientes para
dissuadir qualquer eventual invasor.
Nunca é demais lembrar que uma enorme parte da
população vive em locais ermos, nas zonas
rurais, sem possibilidade de comunicação
imediata com vizinhos e, muitíssimo menos, com as
autoridades policiais.
Em
situações desse tipo, um tiro de advertência
tem um enorme poder dissuasório. Não é preciso
que o detentor da arma seja um grande atirador, nem é desejável
que acerte ou mate o invasor. Basta impedir a invasão.
“XI
- a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial”;
No
mesmo sentido e com a mesma amplitude da inviolabilidade
acima assinalada,
o inciso XI diz que a casa é asilo
inviolável do indivíduo. Convém repetir,
portanto, que isso significa que a casa não pode
ser violada. Não significa apenas que, se alguém
violar uma casa, esse invasor será punido. A garantia
constitucional é muito mais ampla, significando
que o morador tem direito impedir que sua casa seja violada,
podendo dispor dos meios para isso necessários,
exatamente porque a Constituição estabelece
que a casa é asilo inviolável do indivíduo.
Essa
declaração enfática feita pelo
texto constitucional não é meramente romântica,
não indica apenas um ideal desejável, mas,
sim, é um mandamento jurídico, impondo deveres à Administração
e conferindo direitos ao cidadão, o qual, em princípio,
tem direito de possuir uma arma de fogo em seu domicílio.
Ao outorgar a licença, sob a forma de registro,
a Administração não está dando
esse direito ao cidadão, mas, conforme os ensinamentos
doutrinários acima referidos, apenas reconhecendo
um direto que lhe é dado diretamente pela Constituição.
“XXII
- é garantido
o direito de propriedade”;
O direito
de propriedade também está sendo
afetado por essa temporariedade do registro. Conforme foi
acima demonstrado, o registro é, juridicamente,
uma licença para a aquisição de uma
arma de fogo. Uma vez adquirida, a arma passa a integrar
definitivamente o patrimônio da pessoa adquirente.
Não faz sentido ter um direito de propriedade temporário,
porque a propriedade só pode ser desconstituída
mediante prévia e justa desapropriação,
em dinheiro, por sentença judicial, se e quando
houver necessidade ou utilidade pública em que aquele
determinado bem passe a integrar o patrimônio público.
A Constituição não tolera a extinção
do direito de propriedade por decurso de prazo. Nem se
diga que a expiração do prazo do registro
não estaria extinguindo a propriedade, pois se o
proprietário não puder ficar com a arma de
fogo em seu domicílio estará sendo subtraído
o conteúdo essencial do direito de propriedade,
que é o de ter, usar e dispor do bem. Também
não se cometa o disparate de dizer que, se não
renovar a licença, o proprietário da arma
teria que proceder a uma venda compulsória, pois
isso também ofenderia a essência do direito
de propriedade.
“XXXVI
- a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”;
O cidadão adquire o direito de ter uma arma em
domicílio quando obtém a licença,
e esse direito é protegido pela Constituição.
Convém repetir, ainda outra vez, que esse direito
lhe é dado pela lei (no caso, pela Constituição)
e é apenas reconhecido pela autoridade administrativa
competente. A outorga da licença é um ato
jurídico perfeito e acabado, do qual resulta, para
o adquirente, um direito adquirido e intangível.
“LIV
- ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;
Ninguém será privado dos seus bens sem o
devido processo legal. Não se extingue o direito
de propriedade, mesmo que existam fundamentos para isso,
sem o devido processo legal, sem que o prejudicado possa
exercitar seu direito de defesa, com os meios e recursos
a isso inerentes. Entretanto, conforme foi acima demonstrado,
a temporariedade da licença extingue o direito de
propriedade sem qualquer processo, automaticamente, o que
não é comportado pela ordem jurídica.
“LVII
- ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”;
O efeito
mais absurdo e mais perverso da temporariedade da licença é transformar alguém em
criminoso “ex lege”, contrariando a garantia constitucional
no sentido de que ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória.
Com
efeito, o art. 12 da Lei nº 10.826 tipifica como
conduta criminosa a simples posse ilegal de arma de fogo.
Quem, agora, adquirir legalmente uma arma de fogo, passados
três anos, se não renovar a licença,
se transformará, como num passe de mágica,
em criminoso.
Muito
pior é a situação daquelas
pessoas que, ao longo do tempo, há muitos anos,
adquiriram legalmente armas de fogo, procedendo ao devido
registro nos órgãos estaduais então
competentes. A Lei nº 10.826, pela exigência
de renovação daquelas antigas licenças
no prazo de três anos, junto aos órgãos
federais, vai criar uma multidão de delinqüentes.
Conforme
as estatísticas existentes, em princípio,
no dia 23 de dezembro de 2006, teremos 6,8 milhões
de brasileiros criminosos “ex lege”. Na melhor das hipóteses,
isso vai inundar o Poder Judiciário de pedidos de
“habeas corpus” e mandados de segurança.
Mas
pode acontecer uma coisa bem pior, qual seja o incentivo à informalidade.
A partir do dia 23 de dezembro, poderá acontecer
uma verdadeira “epidemia” de furto de armas de fogo, ou
seja, de lavratura de boletins de ocorrência, formalizando
uma declaração de furto de arma. Diante desse
constrangimento, dessa onerosidade, não é difícil
acontecer que muita gente, para se livrar da condição
de criminoso, se livre de sua arma anteriormente legal,
colocando-a na informalidade.
Quem
“legalizar” a arma legalmente adquirida vai ter, daí para diante, um enorme constrangimento, vai
enfrentar uma formidável burocracia, vai ter despesas
vultosas, sendo, portanto, muito mais conveniente manter
a arma simplesmente escondida em casa. A história é rica
de exemplos em que a intenção do legislador é uma,
e o resultado é outro. Não é preciso
ir muito longe, basta lembrar da Lei Seca, nos Estados
Unidos. Se não for possível manter uma arma
lícita, não restará ao cidadão
senão conformar-se com a ilicitude.
IV
– Questão jurídica
A questão crucial, questão propriamente
jurídica, é que a Lei nº 10.826, em
seu art. 35, previa a proibição geral de
comercialização de armas de fogo. Essa previsão
expressa da lei, todavia, tinha sua eficácia dependente
da realização de uma consulta popular, sob
a modalidade de referendo. Tal referendo foi realizado,
e o resultado foi totalmente contrário a essa proibição
absoluta. A população brasileira, diretamente,
não concedeu eficácia e retirou a validade
do dispositivo que estabelecia o banimento geral das armas
de fogo.
Porém, como a lei, no mencionado art. 35 estabelecia
a proibição geral do comércio e posse
de armas de fogo, isso era um pressuposto do tratamento
dado à matéria e todo o contexto normativo
foi feito todo em cima dessa proibição universal.
Ou seja, toda a disciplina do controle de armas de fogo,
estabelecida por essa lei, tem como fundamento, base ou
ponto de partida a proibição geral da comercialização
de armas, tendo como exceções apenas algumas
hipótese, como é o caso das empresas de segurança,
dos policiais e membros do Ministério Público
e do Poder Judiciário.
A lei
foi feita em consonância com essa proibição
geral e irrestrita, tratando a possibilidade de um cidadão
comum ter uma arma como algo absolutamente excepcional,
como rigorosa exceção. Exatamente por essa
razão, visando dificultar ao máximo a posse
de arma de fogo pelo cidadão comum, a lei criou
um inferno burocrático, altamente oneroso, para
quem, excepcionalmente, comprovasse ter necessidade de
uma arma de fogo.
Todo
esse inferno burocrático é inconstitucional,
evidentemente, pois a Constituição assegura
o direito de cada cidadão, se assim o desejar, possuir
uma arma de fogo para sua autodefesa. Como todo direito,
esse também não é absoluto e seu exercício
pode depender de condições estabelecidas
em lei, mas, não, condições de tal
complexidade e onerosidade que, na verdade, aniquilam o
direito constitucionalmente assegurado.
As
condições estabelecidas na Lei nº 10.826,
de 22/12/03, na medida em que contrariam a Constituição
Federal, inviabilizando o exercício de um direito
por ela garantido, configuram patente desvio de poder no
exercício da função legislativa, conforme
a claríssima lição contida no voto
do Ministro Relator, CELSO DE MELLO, em Acórdão
do Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.158-8 AM, o qual
parcialmente se transcreve:
"Refiro-me, nesse específico contexto, à questão
pertinente ao abuso da função legislativa.
Todos
sabemos que a cláusula de devido processo
legal – objeto de expressa proclamação pelo
art. 5º., LIV, da Constituição – deve
ser entendida, na abrangência de sua noção
conceitual, não só sob o aspecto meramente
formal, que impõe restrições de caráter
ritual à atuação do Poder Público,
mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua
como decisivo obstáculo à edição
de atos legislativos de conteúdo arbitrário
ou irrazoável.
A
essência do substantivo due process of law reside
na necessidade de proteger os direitos e as liberdades
das pessoas contra qualquer modalidade de legislação
que se revele opressiva ou, como no caso, destituída
do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso
significa, dentro da perspectiva da extensão
da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas
do Estado, que este não dispõe de competência
para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável,
gerando, com o seu comportamento institucional, situações
normativas de absoluta distorção e, até mesmo,
de subversão dos fins que regem o desempenho da
função estatal.
Daí, a advertência de CAIO TÁCITO
(in RDP 100/11-12) – que, ao relembrar a lição
pioneira de SANTI ROMANO, destacou que a figura do desvio
de poder legislativo impõe o reconhecimento de que,
mesmo nas hipóteses de seu discricionário
exercício, a atividade legislativa deve desenvolver-se
em estrita relação de harmonia com o interesse
público.”
Esse
inferno burocrático, estabelecido pelo legislador
ordinário, além de se chocar com todos os
dispositivos constitucionais acima transcritos, contraria,
também, os princípios constitucionais da
eficiência, da razoabilidade, da proporcionalidade,
da adequação. O Estado tem de atuar com a
mínima onerosidade possível. O Poder Público
não pode exigir do cidadão senão aquilo
que for estritamente necessário para a satisfação
do interesse público, nada mais.
A conjugação dos princípios da proporcionalidade
e da razoabilidade impede que a Administração
faça exigências exageradas e, também,
exigências inúteis. Com desagradável
freqüência o cidadão se depara com exigências
totalmente despropositadas, inúteis, ditadas simplesmente
pelo propósito de arrecadar os emolumentos correspondentes
ou como uma demonstração de poder e para
exigir uma submissão do interessado, ou, ainda,
como forma de dificultar ou mesmo impedir o exercício
de direitos. Vale aqui lembrar que na Espanha, conforme
demonstra TERESA NUÑES GOMEZ (Abuso en la exigencia
documental y garantias formales de los administrados, Universidad
de Oviedo, Atelier Libros Jurídicos, Espanha, 2005,
p. ), o art. 35 da Lei do Regime Jurídico da Administração
Pública e do Procedimento Administrativo Comum (Ley
30/1992, de 26 de noviembre) confere aos cidadãos
o direito público subjetivo de não apresentar
documentos inúteis, desnecessários, inexigíveis
ou reiterativos. A Administração Pública
não tem o direito de simplesmente aborrecer, perturbar
ou molestar o cidadão. Não cabe à Administração
Pública, nem mesmo com base na lei, criar dificuldades
ao exercício de direitos constitucionalmente assegurados,
pois isso atinge o cerne da cidadania, o âmago da
liberdade, a própria dignidade da pessoa, configurando
patente inconstitucionalidade.
Em
obediência a essa orientação constitucional,
no sentido de que o Poder Público não pode
criar dificuldades artificiais ou exigências inúteis
aos administrados, a lei geral de processo administrativo
da União, Lei nº 9.784 de 29/1/99, em seu art.
3º, estabelece um rol de direitos do cidadão
em sede administrativa, do qual merece destaque o disposto
no primeiro inciso:
“Art.
3º . O administrado tem os seguintes direitos
perante a Administração, sem prejuízo
de outros que lhe sejam assegurados:
I
- ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores,
que deverão facilitar o exercício de seus
direitos e o cumprimento de suas obrigações;”
Impedir
ou dificultar o exercício de um direito é exatamente
o contrário daquilo que estabelece a lei geral de
processo administrativo, a qual, nesse particular, está apenas
explicitando ou traduzindo em uma específica e expressa
norma de direito positivo aquilo que já está implícito
na Constituição Federal e que a doutrina
enquadrou como inerente aos princípios da eficiência,
da proporcionalidade e da razoabilidade, já fartamente
aplicados pelos tribunais superiores.
V – Duplo desvio de foco
Saindo
um pouco do aspecto estritamente técnico-jurídico,
para fazer uma apreciação mais ampla, destinada
a evidenciar o despropósito e a falta de razoabilidade
do tratamento dado a essa matéria pela legislação
em exame, é possível demonstrar a ocorrência
de um duplo desvio de foco
Primeiramente,
não é preciso muito esforço
para demonstrar que o Brasil tem, atualmente, um seriíssimo
problema de criminalidade. Além da criminalidade
violenta comum, existe, ainda, o chamado crime organizado,
com o crescimento, em volume e poder, das organizações
criminosas.
Criminoso
não compra arma em loja, nem, muito menos,
usa armas roubadas de particulares, pois as armas de grande
poder de fogo, usadas pela bandidagem, não são
e nunca foram comercializadas no Brasil. O grande problema é o
contrabando de armas, ligado ao tráfico internacional
de drogas entorpecentes.
Porém, em vez de termos o foco centrado no crime,
estamos usando a máquina administrativa para perseguir
o cidadão de bem, a pessoa que quer defender seu
lar e sua família. Estamos usando uma tremenda máquina
burocrática, estamos comprometendo a estrutura administrativa,
valiosos recursos pessoais e financeiros para perseguir
o cidadão comum.
Em
lugar de coibir o tráfico de armas ilegais,
estamos concentrando esforços para infernizar os
cidadãos que adquiriram legalmente armas de autodefesa,
que registraram tais armas de acordo com a legislação
então vigente e que não pretendem, de maneira
alguma, esconder ou desviar essas mesmas armas, as quais
efetivamente figuram nos cadastros dos organismos policiais
estaduais competentes.
O segundo
desvio de foco é tratar o adquirente
da arma como um delinqüente presumido. Presume-se
que quem vai adquirir uma arma está mal intencionado
e, portanto, tem de ser cerceado, controlado, vigiado.
Presume-se que ele está predestinado a ser um delinqüente.
Isso é completamente contrário à dicção
constitucional segundo a qual ninguém é considerado
culpado a não ser mediante sentença criminal
transitada em julgado.
Na
verdade, incontestável, quem tem ou quer ter
uma arma legal, registrada, é alguém movido
por boas intenções, preocupado com sua autodefesa.
Quem tiver más intenções não
vai comprar uma arma legal, pois é muitíssimo
mais fácil e mais barato comprar de traficantes.
Como se sabe, como é público e notório,
o comércio de produtos pirateados, ilegais, é espantosamente
crescente e escancarado no Brasil.
Veja-se
a situação de colecionadores e praticantes
de tiro esportivo. O colecionador é alguém
que quer preservar um acervo para a coletividade para a
posterioridade, é, acima de tudo, um altruísta.
O praticante de tiro esportivo é um esportista,
alguém que pratica o tiro como atividade de lazer,
valendo lembrar que a primeira medalha de ouro olímpica
do Brasil foi obtida exatamente por um atirador esportivo.
Qual o perigo ou ameaça que essas pessoas apresentam
para a sociedade?
Está acontecendo com o cidadão que deseja
possuir uma arma o mesmo fenômeno que afeta os contribuintes
em geral. Quem sonega não tem problema algum: sonega,
não paga, e acabou; mas se tiver algum problema é só esperar
por uma anistia. Já o contribuinte que efetivamente
quer pagar os impostos devidos, tem que sofrer as penas
do inferno com as obrigações acessórias,
para as quais a legislação cria todos os
empecilhos, dificuldades e problemas possíveis.
Pagar o imposto exige uma série de providências
altamente onerosas. Ou seja: punimos quem paga imposto.
O mesmo
acontece no caso das armas. Quem está na
informalidade está tranqüilo, não tem
problema algum; quem quiser cumprir a lei vai sofrer o
inferno burocrático e vai gastar muito dinheiro.
VI
– Questão democrática
– O resultado do referendo Por último, não pode ficar sem registro
o resultado do referendo sobre a proibição
total do comércio e posse de armas pelas pessoas
de bem. A população brasileira, apesar da
enorme e massiva propaganda enganosa oficial, entendeu
perfeitamente que se estava pretendendo desarmar as vítimas
e, como decorrência inafastável, dar melhores
condições de atuação, maior
segurança, aos delinqüentes. O resultado foi
acachapante: quase 70% dos eleitores repudiaram o já referido
art. 35 da Lei nº 10.826?03.
O que
se pretende agora, com a absurda exigência
de renovação do registro é obter,
com desvio de poder, aquilo que se perdeu nas urnas. O
povo brasileiro se manifestou claramente num determinado
sentido. A orientação geral da lei foi baseada
no art. 35, que caiu, não existe mais; foi retirado
da ordem jurídica em razão do resultado do
referendo.
Quando
a Constituição, no art. 1º,
parágrafo único, diz que todo o poder emana
do povo, que pode exercê-lo diretamente, como é o
caso do referendo, isso somente pode significar que essa
vontade deve ser respeitada. Atenta contra o princípio
democrático a criação de meios e instrumentos
para burlar a vontade manifestada nas urnas.
Nem
se diga, num assomo de hipocrisia, que o que se está pretendendo é assegurar
ao cidadão o controle de suas armas, dificultando
a comercialização de armas roubadas. Para
isso, não há necessidade alguma de re-cadastramento,
bastando que os órgãos policiais estaduais
repassem seus arquivos para a polícia federal. Se
houvesse alguma honestidade de propósitos, bastaria
que a polícia federal convidasse ou incentivasse
os detentores de armas legais a procederem, até pela
internet, uma simples comunicação à polícia
federal, sem maiores empecilhos burocráticos, exigências
absurdas e gastos vultosos.
Na
verdade, o Governo Federal está claramente tentando
aterrorizar as pessoas de bem, para que estas, zelando
por sua dignidade pessoal, temerosas de serem consideradas
criminosas, se submetam à vulneração
de seus direitos constitucionais. O Governo sabe como é difícil
e caro recorrer ao Poder Judiciário e, além
disso, conta com a complacência do Ministério
Público.
Com
efeito, a exigência de renovação
de registro ofende direitos de toda uma coletividade. Deixando
de lado a discussão sobre se esse caso configura
a existência de direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos, é certo que, em qualquer dessas
hipóteses, o Ministério Público deveria
agir em defesa da massa de cidadãos honestos, cumpridores
da lei, que estão sendo ameaçados, conforme
ensina a Eminente Desembargadora Federal, CONSUELO YATSUDA
MOROMIZATO YOSHIDA, “Tutela dos interesses difusos e coletivos”,
Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 21:
“A
legitimidade ad causam ativa e o interesse processual
do Ministério Público na tutela jurisdicional
coletiva dos direitos individuais homogêneos decorre
da relevância social dos interesses materiais envolvidos
de forma mediata, e não apenas do número
elevado de beneficiários da tutela jurisdicional
invocada: a tutela do Estado Democrático de Direito
em face da violação em massa da ordem jurídica
(bem difuso); a tutela da cidadania e da dignidade da pessoa
humana em face da lesão em massa, individualmente
experimentada e aferível; do direito (difuso) à habitação,
transporte coletivo, educação e ensino, saúde,
previdência e assistência sociais.
No
plano processual, a relevância social dos interesses
em jogo a legitimar a atuação do órgão
ministerial decorre das vantagens e conveniência
da utilização de uma só ação
(coletiva) para defesa de uma série de direitos
e interesses individuais, sem o risco de decisões
conflitantes sobre a mesma matéria, atendendo, ademais,
aos propósitos de ampliação do acesso á justiça
com desafogamento e agilização do Poder Judiciário,
para garantia da maior efetividade da tutela jurisdicional.”
Resta
ainda a esperança de que o Congresso Nacional,
sensível à inequívoca demonstração
de vontade do povo, manifestada no referendo, revogue,
de uma vez, a Lei nº 10.826/03, ou, pelo menos, a
exigência da renovação do registro.
______________
*Prof. Titular de Dir. Administrativo da PUC/SP
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