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Opinião
Fortaleza, 21
Outubro 02h20min 2005
ARTIGO
A mensagem dos cidadãos
DEMÉTRIO
MAGNOLI
COLUNISTA DA FOLHA
Eles
armaram o circo, instalaram a confusão
e fabricaram uma pergunta capciosa. Contrataram os
fogos e a fanfarra. Programaram a comemoração.
Mas o povo disse "não!".
No referendo de ontem, o povo derrotou o governo, a
maioria absoluta da elite política, a organização
hegemônica de mídia e as ONGs milionárias.
Agora, os santarrões têm de substituir
a festa por uma narrativa política e já começam
a manufaturar uma nova mentira: inspirados num Pelé de
30 anos atrás, dizem que o povo não sabe
votar. Que o povo é "conservador" e
vota contra seus próprios interesses. E que
eles, os "esclarecidos" e "progressistas" isto é,
Lula, Márcio Thomaz Bastos, Chico Alencar, Sarney,
ACM Neto, Raul Jungmann, Marco Maciel e Renan Calheiros
continuarão a lutar "pela paz", explicando
ao povinho burro que a culpa pela criminalidade não é do
Estado mas dos cidadãos ávidos por armas
e sempre prontos a atirar uns nos outros.
Eles destilaram uma santimônia pegajosa, abraçaram
lagoas e cristos, mas não conseguiram falar
em nome do povo. Agora, precisam seqüestrar a
mensagem do povo e torcer seu significado. Indiferentes
ao ridículo, chegam a sugerir que os cidadãos
votaram contra o "mensalão", não
contra a proibição, como se a quadrilha
dos corruptores já não estivesse exposta
dois meses atrás, quando o "sim" tinha
dois terços das intenções de voto.
O povo não é burro: decifrou a pergunta,
desarmou a armadilha e enviou uma série de mensagens
claras e nítidas.
1 - A esmagadora maioria dos brasileiros não
tem armas. Mesmo assim, os eleitores disseram que o
Estado não pode tomar-lhes um direito natural,
que é o direito de defender a sua casa e a sua
vida;
2 - Os eleitores disseram que o Estado não pode
dividir os cidadãos em duas classes jurídicas,
permitindo a proliferação de empresas
de segurança privada enquanto proíbe
a autodefesa armada dos homens de poucas posses;
3 - Os eleitores votaram contra o governo, mas com
pertinência. Eles exigiram o fim da empulhação
e do papo furado. Disseram que o culpado pela liberdade
do crime é o governo, que não cumpriu
a promessa de elaborar um plano nacional de segurança
pública e não reformou, unificou e limpou
as polícias.
Que ninguém se engane. Ficou registrado na memória
coletiva que, em dezembro passado, os ministros do
Trabalho, Ricardo Berzoini, e da Cultura, Gilberto
Gil, negociaram com os traficantes do Complexo da Maré as
condições da visita à favela da
Vila São João, onde lançaram um
programa de qualificação profissional.
Por imposição do tráfico, as autoridades
subiram o morro sem segurança armada, protegidos
pela milícia dos bandidos.
Os cidadãos disseram "não!" exatamente
a isso. Os brasileiros não correram atrás
dos brucutus armados que têm saudade da ditadura.
Simplesmente, estão fartos das autoridades que "são
da paz". Querem guerra à corrupção
e à violência policial. Querem guerra às
prerrogativas dos traficantes, não uma hipócrita "guerra às
drogas" que criminaliza os usuários e provoca
chacinas de crianças. Querem a restauração
da ordem pública e dos direitos das pessoas.
Os candidatos a presidente deveriam tomar nota.
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Demétrio Magnoli é doutor em geografia
humana pela Universidade de São Paulo e colunista
da Folha