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17/
10/ 2005 - REFERENDO – PELO NÃO
Uma perigosa utopia
Guilherme Fernandes Neto
“Então lhes disse: agora, porém, quem
tem bolsa, tome-a, como também o alforje; e
o que não tem espada, venda a sua capa e compre
uma” (Jesus, a seus discípulos, em Lucas 22:36).
Estamos
vivenciando a Era da simulação,
na qual a aparência supera o real, com o fim
dos referenciais e a omissão da verdade. Ademais,
a realidade oculta inexiste, na lição
de Jean Baudrillard. Diante disso, compreensível
para alguns o simulacro governamental que pretende
desarmar o cidadão e não o bandido, com
a idéia de que reinará um pacifismo tibetano,
sem qualquer tipo de risco ao cidadão e ao país.
Para
analisar o disfarce do desarmamento, podemos partir
dos fatos
conhecidos, mas não chegaremos
aos desconhecidos motivos de fundações
estrangeiras estarem patrocinando a luta pelo desarmamento.
Analisando
a manipulação da estatística
do SUS divulgada pela mídia – que aparenta a
fictícia eficácia do desarmamento –,
a suposta eficácia não levou em conta
fatores outros, como a diminuição do
desemprego, políticas públicas etc.,
além de ter excluído da análise
diversas Unidades da Federação.
Não bastasse isso a revelar o simulacro, caberia
indagar a razão de o Estado priorizar o impedimento
do comércio de armas de fogo. Por que buscar
diminuir 36.295 mortes por ano – as causadas por armas
de fogo, conforme a última estatística
do Ministério da Justiça, de 2002 –,
enquanto poderia salvar 200 mil pessoas por ano que,
conforme a Organização Mundial de Saúde
e o INCA, morrem em razão do tabaco, no Brasil,
cuja venda continua permitida?
Os
custos causados pelas doenças tabaco-relacionadas,
exigindo tratamentos de alta complexidade (radioterapia,
quimioterapia etc.), são, também, por
esse motivo, muito superiores aos danos causados por
armas de fogo. O motivo do desarmamento não é,
assim, o custo arcado pelo erário em razão
do uso de tais armas, o que impede a tese da eficiência
da utópica medida pretendida pelo Governo.
Cabe
esclarecer que a proibição do comércio
de arma não salvará 36.295 vidas/ano,
haja vista que entre essas se encontram as que morrem
em razão de confrontos entre policiais e bandidos
e bandidos contra bandidos. Esses o governo não
pretende desarmar.
Está ainda sendo ocultado que a diminuição
das mortes por armas de fogo não está diretamente
ligada ao desarmamento, bastando verificar no mapa
de homicídios, que consta no site da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (www.mj.gov.br),
segundo o qual o índice de vítimas de
armas de fogo, por mil habitantes, decresceu, de 1998
a 2002, em várias Unidades da Federação
(Distrito Federal, Pará, Maranhão, Pernambuco
etc.), isso muito antes do Estatuto do Desarmamento.
Daí, o motivo de a proibição do
comércio de armas não é salvar
vidas.
Parte
significativa do conflito persistirá,
valendo lembrar que, a curto prazo, a proibição
objetivada estimulará o contrabando de munição
e, a médio prazo, encorajará a invasão
de propriedades, na certeza da impossibilidade da legítima
defesa.
Para
tentar demonstrar sinceridade ou eficiência
do desarmamento deveria o Estado, inicialmente, implementar
políticas coibindo o contrabando de armas, bem
como desarmar o crime organizado, mas sobre isso nada
foi feito e, possivelmente, não o será.
Pode
a população que vive na Amazônia
Legal ser desarmada, sem risco para sua proteção?
Pode a população fronteiriça ser
desarmada sem qualquer risco para o país? Por óbvio,
não. Não se pode falar, outrossim, que
na era da energia nuclear o armamento tradicional é obsoleto,
pois a ocupação territorial ainda exige
o tradicional confronto humano, que pode não
existir se o povo estiver desarmado, indefeso.
Não é ocioso relembrar as lições
que a história nos lega sobre a necessidade
eventual da atuação dos civis na resistência às
ocupações estrangeiras. São exemplos
a Resistência Francesa, a nossa Revolução
do Acre e, recentemente, a ocupação do
Iraque. De forma negativa, a impossibilidade de resistência
de povos desarmados, a citar o Tibet. Neste momento
vale lembrar até a indiscutível sinceridade
de Cristo, que, sem metáforas, exortou a seus
discípulos que vendessem a capa e comprassem
uma espada.
Arquivo/MPDFT
Guilherme
Fernandes Neto é professor da Faculdade
de Direito da Universidade de Brasília (UnB). É pós-graduado
em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie,
mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e membro do
Ministério Público do Distrito Federal.
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Guilherme
Fernandes Neto é professor
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
(UnB). É pós-graduado em Direito Empresarial
pela Universidade Mackenzie, mestre e doutor em Direito
pela PUC-SP e membro do Ministério Público
do Distrito Federal.