Catolicismo julho de 2001 - www.catolicismo.com.br Entrevista

Proprietários de armas norte-americanos pedem apoio do Vaticano

O Presidente da Sociedade São Gabriel Possenti, dos Estados Unidos, que propugna o direito à autodefesa, concede entrevista a Catolicismo

 O direito à vida dos nascituros e o daqueles que podem auto-defender-se legitimamente, podem ser vistos como dois lados de uma mesma moeda. Ao contrário do direito dos primeiros, constantemente em voga, do direito dos segundos pouco se fala.

Recente acontecimento em Roma, patrocinado pela Sociedade São Gabriel Possenti, procurou sanar essa lacuna. A mencionada sociedade, sediada nos Estados Unidos, sustenta o direito que assiste aos cidadãos obedientes à lei de guardar e transportar armas. Seu presidente e fundador, Sr. John Michael Snyder, esteve em Roma para pedir ao Vaticano o reconhecimento oficial de São Gabriel Possenti (1838-1862) como padroeiro dos proprietários de armas. Nessa ocasião foi entrevistado, em nome de Catolicismo, pelo Sr. Alberto Carosa, admirador de nossa revista.

Para facilitar o intento do Sr. John Snyder, no dia 27 de fevereiro último, festa daquele Santo, um editor associado da publicação mensal The American Rifleman, da National Rifles Association dos Estados Unidos, proferiu uma conferência para pessoas escolhidas, sob os auspícios da Basílica de São Pedro.

Segundo o Sr. Snyder, o direito de autodefesa deve ser visto preferencialmente com um enfoque positivo, como uma extensão do direito à vida. Em sua opinião, a Igreja Católica é a mais consistente e genuína defensora da vida, e por isso é de toda conveniência propugnar o legítimo direito de autodefesa, quando se proclamar o direito à vida.

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Catolicismo — Como o Sr. descreve sua organização em relação a grupos similares nos EUA?

 

Sr. John Snyder — A Sociedade São Gabriel Possenti (SSGP) é uma entidade internacional, sem fins lucrativos, estabelecida em 1989 sob as leis do Estado da Virgínia, com a finalidade de atrair a atenção pública para a vida e as atividades de São Gabriel Posenti, bem como para incentivar o estudo e a exposição das bases históricas, teológicas e filosóficas da doutrina da legítima autodefesa.

A SSGP não é um lobby, como o termo é entendido pela lei americana, não apoia oficialmente e nem se opõe a partes específicas da legislação, ou a candidatos para funções públicas. Não há conexão orgânica com a National Rifles Association da América (NRAA), embora alguns membros dessa associação tenham recebido o reconhecimento da SSGP.

Muitos dos que criticam o poder do grupo favorável ao armamento não entendem a situação. Milhões de pessoas, eleitores nos Estados Unidos, possuem armas por vários motivos legítimos; porém, menos de 10% desses elementos pertencem às organizações interessadas pelo armamento.

Os assim chamados lobbies de armamento constituem realmente um lobby do povo, e comumente os políticos e publicistas devem ser lembrados disto, como o foram no dia das eleições presidenciais em novembro passado. O direito de autodefesa e o direito aos meios necessários para exercê-la estão sob um tremenda pressão. É, pois, muito conveniente e mesmo necessário apresentar São Gabriel Possenti como um exemplo histórico de santo para o exercício desse específico direito e dessa específica finalidade.

Catolicismo — Por que o Sr. decidiu denominar sua organização pelo nome de um santo, particularmente de São Gabriel Possenti?

Sr. Snyder — Há várias boas razões para rememorar o santo. Em 1860 ele — também conhecido como San Gabriele dell’Addolorata (São Gabriel da Mãe Dolorosa) — salvou os moradores de Ísola del Gran Sasso, na região de Abruzzo, de uma gangue de 20 renegados armados, e deu uma demonstração de perícia no uso da arma de fogo.

O episódio ocorreu quando os renegados, seguindo uma batalha em Castelfidardo, perto de Pesaro, invadiram a aldeia de Ísola. Incidentalmente estavam ligados ao exercito piemontês, que havia então derrotado as tropas pontifícias, em sua violenta invasão dos Estados da Igreja, como parte de um movimento igualitário e marcadamente anticristão, chamado Risorgimento. Seu objetivo, como me informaram bons e amáveis amigos italianos, era unificar a Itália a todo custo, incluindo a derrubada prévia de seus monarcas e governantes legítimos.

Armados, os renegados começaram a lançar fogo na aldeia, a roubar os bens populares e a molestar as mulheres. Possenti, naquela época, era um seminarista passionista. Ele, que fora um perito atirador com armas de fogo antes de entrar para a vida religiosa, perguntou ao seu reitor se poderia tentar fazer alguma coisa pelos habitantes de Ísola. O reitor concordou e Possenti dirigiu-se apressadamente à vila. Ele observou um sargento prestes a violar uma jovem. O santo ordenou-lhe que parasse, e rapidamente retirou a arma do soldado, de seu coldre. Os outros soldados, vendo o acontecimento, aproximaram-se do seminarista e tentaram derrubá-lo. Foi nesse momento que um lagarto correu, atravessando a rua em frente a Possenti, agora armado com duas pistolas, uma em cada mão. O santo, com uma pontaria certeira, atirou no lagarto, que rolou morto pelo solo. Possenti apontou então suas armas para os soldados, que estavam agora aterrorizados por se verem diante de um excelente atirador.

Possenti mandou-os apagar os incêndios que haviam iniciado e a devolver o que tinham roubado. Depois os expulsou sob a mira das armas, ordenando-lhes jamais voltar a Ísola. O agradecido povo da vila acompanhou Possenti na volta a seu mosteiro, em triunfante procissão. O Pe. Godfrey Poage, CP, informa em sua biografia de Possenti, Filho da Paixão, que tal ação concedeu ao santo o título de Salvador de Ísola.

Embora São Gabriel Possenti tenha morrido há aproximadamente um século e meio (1862), e se bem tenha sido canonizado pelo Papa Bento XV em 1920, ele é um santo para a nossa época. Terroristas estão difundidos por todo o mundo, atuando criminosamente, como os jornais diários ou TV comprovam muito claramente.

O estatismo radical também ainda existe entre nós. Entretanto, certos grupos agem junto a governos, no sentido de proibir o direito à autodefesa, de proteger a própria vida, portando armas, ou simplesmente de guardá-las em casa para proteção de seus entes queridos.

Sim, São Gabriel Possenti é verdadeiramente um santo para nossa época. Com grande coragem e um notável conhecimento da salvação e bem-estar das almas, ele demonstrou sua perícia como atirador. Em nossos dias, a Igreja Católica luta para preservar o direito à vida. Concomitantemente a este combate, a associação São Gabriel Possenti trabalha para preservar o direito de defender a vida e a propriedade, bem como o direito de usar os meios necessários para tanto.

Armas nas mãos de pessoas de bem podem ser usadas para prevenir o crime. Elas também podem ser utilizadas na luta contra a tirania. O povo compreendeu a validade dos princípios professados por São Gabriel Possenti naquele dia de 1860, quando ele matou o lagarto!

Catolicismo — Até onde foi a reação, se alguma houve, da parte do Vaticano?

Sr. Snyder — Nessa via, o Vaticano não aquiesceu ao pedido de nossa Sociedade. Um despacho da Associated Press, datado de 28 de fevereiro de 2001, citou a Sala Stampa (local da imprensa oficial do Vaticano) como tendo informado que a concessão de um patrono para o grupo dos defensores das armas não era "oportuna". Alguns anos atrás, foi-me comunicado no Vaticano que eu precisava contar com uma lista de Bispos, em todo o mundo, favoráveis à minha causa. De qualquer forma, eu não seria desencorajado no meu intento.

Mais recentemente, em 1997, o Cardeal Roger Etchegaray, Presidente do Conselho Pontifício para a Justiça e Paz, dirigiu um ataque público contra a posse privada de armas de fogo de pequeno calibre, afirmando, em alguns documentos do Conselho, que o limite da compra de "armas de fogo não infringiria certamente os direitos de qualquer um", e que todas as armas de fogo "devem permanecer sob o estrito controle do Estado".

Ao longo dos anos, preocupei-me com a posição temerosa adotada por homens da Igreja a respeito da atitude de Possenti quanto à legítima defesa. Inicialmente, alguns deles afirmaram que o incidente do lagarto nunca sucedera, quando a evidência do fato foi relatada em Filho da Paixão (livro com Imprimatur), de autoria do Pe. Godfrey Poage, CP (Milwaukee, Wisconsin, USA, Bruce Pubishing Company, 1962). Ultimamente eles estão afirmando que, se aquilo aconteceu, não deve ter muito significado.

Quanto ao Cardeal Etchegaray, apresentei numa carta objeções a suas teses, dizendo que nos Estados Unidos aproximadamente 80 milhões de pessoas respeitadoras da lei possuem cerca de 200 milhões de armas.

Eu era e continuo contrário à idéia de armas controladas pelo Estado, tendo em vista que o desarmamento civil está se constituindo num dos maiores fatores de genocídios perpetrados em pelo menos oito casos: na Turquia otomana, na União Soviética, na Alemanha Nazista, na Europa ocupada pelos nazistas, na China comunista, na Guatemala, na Uganda e no Camboja. Todos os genocídios ocorridos nesses países foram precedidos pelo desarmamento civil.

Catolicismo — O Sr. se referiu a bases filosóficas e teológicas em favor da doutrina da legítima autodefesa. Poderia dar alguns exemplos?

Sr. Snyder — Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo declarou, de acordo com o Evangelho de São Lucas (Lc 22, 36): "O homem sem uma espada deve vender seu manto e comprar uma!". Além disso, Nosso Senhor disse que "abençoados são os pacíficos, porque eles serão chamados os filhos de Deus". Ele elogiou também "os promotores da paz" e não os que "amam a paz".

Indicam as estatísticas, e bem claramente, que a capacidade de cidadãos observadores da lei possuir armas de fogo é dissuasória do crime e salvadora de vidas. Nos Estados Unidos, 31 de nossos 50 estados autorizam o transporte oculto de arma para cidadãos cumpridores da lei; e outro estado permite tal transporte sem o porte de armas. O professor John R. Lott, Jr. da Yale University Law Scooll, em seu livro More Guns – Less Crime (Mais armas – menos crimes), publicado pela Universidade de Chicago Press, demonstrou que aqueles estados que permitiram o transporte de munição, testemunharam reduções drásticas em registros de crimes violentos.

A Igreja Católica, como defensora genuína do direito à vida, também poderia pregar a favor do direito à autodefesa, do direito aos meios necessários para tal, do direito de guardar e transportar armas. Ao adotar essa atitude, a Igreja poderia contar com o apoio de centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo, que a reconheceriam como uma corajosa instituição.

Nota: Para informar-se mais detalhadamente acerca da Sociedade SGP visite seu website: http://www.possentisociety.com.