Catolicismo outubro de 2003 - www.catolicismo.com.br

O direito de possuir e portar armas de defesa

Há quatro anos, tenta-se aprovar no Congresso Nacional leis de desarmamento civil. Mais de 60 projetos foram apresentados, todos eles insistindo num ponto: para deter a escalada do crime é necessário proibir a posse e o porte de armas de defesa. A TFP, através da campanha Pró Legítima Defesa, tem mostrado a falsidade desse argumento e lutado para impedir que seja aprovada tal lei. O que deve o católico pensar sobre esta questão que divide as opiniões de norte a sul do País?

Diogo Waki*


A mídia tem se ocupado insistentemente com o tema do desarmamento. A opinião pública, horrorizada pelo aumento dos crimes que muitas vezes vitimam entes queridos, e também influenciada pela crueza com que os meios de comunicação apresentam os fatos, é levada a votar um horror às armas. Tal reação, quase instintiva, sob certo ponto de vista é explicável.

O pai ou a mãe que viu o próprio filho assassinado barbaramente por um criminoso, o mais das vezes prefere não tocar no assunto; ou, quando muito, apela quase inutilmente à Justiça, sabendo que o sistema carcerário deixa muito a desejar. Compreende-se então que tal pai ou mãe pense, erroneamente: “De que valerá prender um marginal a mais, uma vez que a sociedade produz, ela mesma, seus marginais?”

Suponhamos que esses pais vêem ou ouvem alguém gritar: “Chega de crimes, sou da paz!” Poderão ser levados a empunhar esta bandeira. Se alguém lhes perguntar se são favoráveis ao uso de armas para se defender dos bandidos, talvez digam equivocadamente que pleiteiam o desarmamento. E se tomarem conhecimento de que há no Congresso Nacional pelo menos 60 projetos de lei visando estabelecer o desarmamento civil, talvez não compreendam por que não se aprova uma lei supostamente tão necessária para se obter a paz social.

Tema que exige explicação

É esse um ponto muito delicado e que deve ser tratado cum grano salis, ou seja, com o cuidado de uma dona-de-casa ao temperar um prato, para não colocar sal demais nem de menos. A pergunta fundamental que deve ser levantada e respondida é a seguinte: “Sou católico, posso ser favorável ao uso de armas para a legítima defesa? Sim ou não?”

Para se responder tal pergunta, é necessário fazer primeiro uma distinção.

O 5º mandamento da Lei de Deus ordena: “Não matarás”. Em conseqüência, o bandido que, usando uma arma, ameaça ou mata para roubar, violentar ou vingar, peca mortalmente contra tal mandamento. E, obviamente, este mesmo mandamento proíbe a qualquer católico fazer o mesmo.

A vida é um dom de Deus, que por Ele nos foi dada, e só a Ele cabe o direito de tirá-la. Quando Pilatos perguntou a Nosso Senhor Jesus Cristo “Não sabes que tenho direito de te condenar ou de te perdoar?” (e Nosso Senhor sabia perfeitamente que isso significava condená-Lo ou não à morte), o Divino Redentor respondeu-lhe: “Não teríeis este poder se não te fosse dado do alto”.

Portanto, também o Poder legitimamente constituído pode, para atingir sua finalidade que é o bem comum, usar deste recurso extremo.

Ora, se assim manda a Lei divina, facultando apenas ao Estado, a título de exceção, o direito de tirar a vida de um indivíduo, o mero indivíduo não pode, a fortiori, tirar a vida de seu próximo.

Exceção: a legítima defesa

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo estabeleceu que o homem deve “amar ao próximo como a si mesmo”, estabeleceu também que o ponto de referência para o amor que se deve ter ao próximo é o que se tem a si mesmo. Mormente no que se refere à própria vida. E se Deus me concedeu a vida, devo zelar para que ela não me seja tirada injustamente. Devo protegê-la, lutar para que ela seja preservada. Se devo zelar por minha vida, devo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para protegê-la, e, conseqüentemente, também à minha família e até ao meu patrimônio. O Estado não pode proibir que eu tome medidas preventivas para tanto. Por exemplo, ele não pode proibir-me de colocar uma fechadura reforçada na porta de minha casa; de estabelecer um sistema de alarme; de colocar uma cerca eletrificada, a fim de impedir que um assaltante invada minha propriedade. O Poder Público tem obrigação de enviar a polícia para proteger-me, quando eu estiver ameaçado. E se minha família ou eu mesmo formos ameaçados por um criminoso, o Estado não pode impedir que eu utilize o meu direito de defender-me. E se o criminoso for morto, em conseqüência de eu exercer esse meu direito, não posso ser incriminado pela lei dos homens, uma vez que a legítima defesa é garantida pela Lei de Deus.

O Estado deve ser justo

Por uma falha de nosso sistema de segurança, os bandidos, nos dias atuais, estão “armados até os dentes” e detêm armas das mais sofisticadas. Para garantir meu direito à legítima defesa, o Estado não pode proibir que também eu legalmente me arme. Se o fizesse, estaria cometendo grave injustiça, favorecendo com isso o criminoso; pois este continuará podendo atacar-me e aos meus, e eu ficaria cerceado em meu sagrado direito à legítima defesa.

Compreendo que uma pessoa como aquela aludida no início deste artigo, traumatizada pelo assassinato de algum ente querido, tenha horror às armas, e, sensibilizada assim por uma fatalidade, não queira usá-las. Todavia, incriminar outros que desejem exercer o direito de defender-se, para evitar para si o trauma do qual ela foi vítima, não seria razoável, mas sim uma atitude puramente sentimental.

A posição católica

O 5º Mandamento proíbe que eu mate outra pessoa, mas proíbe também que eu mate a mim mesmo, ou seja, que cometa o suicídio. Isso inclui igualmente a proibição de que eu deixe que me assassinem de modo injusto e estulto.

Os católicos, portanto, devem defender o direito à legítima defesa, de todos se prevenirem contra criminosos e de todos possuírem e portarem armas de defesa. Mesmo aqueles que não as possuam devem defender tal direito. Garantindo-o, fica assegurada nesse ponto nossa liberdade.

E-mail do autor: wakisan@uol.com.br

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*Coordenador da campanha Pró Legítima Defesa.